A crise no país vizinho vai obrigar portugueses a deslocar-se para ainda mais longe de casa. O sindicato do sector denuncia situação degradante de 45 por cento dos operários em Espanha e diz que aumento de 1,5 por cento proposto pelos patrões não fará ninguém voltar.
O abrandamento rápido do sector da construção civil em Espanha, para onde se deslocaram apenas nos últimos cinco anos 80 a 90 mil portugueses, a grande maioria provenientes da zona Norte do país, vai fazer com que perto de 30 mil trabalhadores portugueses abandonem o emprego nas obras espanholas nos próximos dois anos, revelou ao JANEIRO o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Norte (STCCN).
Com a quebra prevista no sector em Espanha, a grande maioria dos trabalhadores portugueses não vai regressar ao nosso país, e o movimento de migração laboral para países mais distantes no Norte da Europa já começou. Inglaterra, Alemanha e Noruega são alguns dos novos destinos que estão a acolher e a aliciar os operários nacionais da construção civil com remunerações muito superiores aos 518 euros médios mensais que, por exemplo, aufere em Portugal um operário qualificado de primeira categoria.
Para disponibilizar um termo de comparação, e de acordo com a tabela fornecida pelo sindicato, o mesmo operário ganha em Espanha um mínimo de 1500 euros por mês, ou seja, o triplo do que receberia no nosso país. Para o presidente do STCCN, Albano Ribeiro, a vantagem desta nova realidade é que vai diminuir o problema da segurança rodoviária, uma vez que os operários passam a vir visitar a família de avião, ainda que com periodicidade mensal.
Precariedade em Espanha
De acordo com o sindicato da construção civil, dos cerca de 90 mil trabalhadores portugueses que estão ainda em Espanha, 45 por cento estão numa “situação muito degradante”, 35 por cento em “situação precária” e apenas 20 por cento têm uma “situação estável”. A responsabilidade, aponta Albano Ribeiro, é de “pseudo-empresas” e “engajadores”, muitas vezes portugueses, que contratam compatriotas para estaleiros sem condições de segurança e que os alojam em habitações sem os padrões mínimos de higiene.
Outro dos factores de precariedade denunciados pelo sindicato prende-se com a ausência de descontos para a segurança social por parte dos empregadores do país vizinho, que deixa os trabalhadores desprotegidos em caso de acidente. Albano Ribeiro denunciou ainda que muitos operários nacionais declaram apenas 470 euros por mês, quando na verdade ganham perto de 1500 euros.
A crise na construção civil espanhola vai levar à dispensa de milhares de portugueses, no entanto, segundo o dirigente sindical, muitos não vão regressar a Portugal, apesar do alargado plano de investimentos em infra-estruturas, anunciado pelo Governo para os próximos anos, que inclui a construção da linha ferroviária de alta velocidade (TGV), do novo aeroporto de Lisboa e de novas auto-estradas. “Ou os salários sobem muito nos próximos tempos ou então os operários portugueses qualificados não voltam para cá e não haverá quem construa essas infra-estruturas com qualidade e segurança ”, disse Albano Ribeiro, acrescentando que Portugal “não precisa do tipo de trabalhadores [da Europa de Leste] que vierem para cá a partir de 1998, que eram tudo menos profissionais da construção civil”.
O presidente do maior sindicato do país, com 30 mil associados, criticou ainda os 1,5 por cento de aumento salarial para os trabalhadores, propostos pelas associações patronais na ronda de negociações com as entidades sindicais, que decorreu sexta-feira em Lisboa. Albano Ribeiro lembrou as declarações públicas de Reis Campos, presidente da Federação da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas, que disse esperar para 2008 um aumento de 2,5 por cento para o sector [ver texto ao lado]. “Este valor não é apelativo para que os trabalhadores regressem a Portugal”, analisou o sindicalista.
Reconversão difícil
O Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) diz que Portugal atravessa uma “fase de transformação total” e de “reestruturação económica dos sectores tradicionais”, confirmando que “a principal vítima é a mão-de-obra intensiva”. Em entrevista ao JANEIRO, Avelino Leite, delegado regional do Porto do IEFP, referiu que a “baixa escolaridade dos trabalhadores da construção civil dificulta a sua reconversão para outros sectores de actividade”. “Continuamos a criar emprego, mas sobretudo para gente qualificada, e normalmente o que é destruído é para gente menos qualificada”, concluiu Avelino Leite.
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Portugal: Sector a crescer 2,5 por cento este ano
O sector da construção poderá crescer mais de 2,5 por cento em 2008, a primeira vez após seis anos de quebras, naquele que será “um novo ciclo de crescimento na construção”, de acordo com a Federação da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas (FEPICOP).
A estimativa, apresentada esta semana no Porto, aponta o segmento da construção dos edifícios não residenciais, o turismo e a engenharia civil como as áreas que podem suportar esse crescimento. Em margem negativa continuam o mercado de reabilitação, “em grande parte devido ao falhanço da nova lei do arrendamento”, disse Reis Campos, presidente da federação, assim como a construção de edifícios residenciais, “reflexo claro das incertezas sobre a evolução da situação financeira das famílias”.
De acordo com a federação, de fora destas previsões para o segmento da engenharia civil está o “volumoso plano de investimentos anunciados para os próximos 10 anos” pelo Governo e que, segundo as contas da federação, somará perto de 40 mil milhões de euros. Deste plano de investimentos em infra-estruturas destaque para a aposta na ferrovia, que a federação prevê venha a custar 10,4 milhões de euros, seguido da energia (9,7 milhões de euros), vias rodoviárias (6,6 milhões), água e ambiente (5,6 milhões) e aeroportos (3,3 milhões).
No entanto, o presidente da FEPICOP considerou que o sucesso do “choque de investimento” depende da confiança que o Governo der aos privados para concretizar o investimento previsto na próxima década. “Compete ao Estado criar condições aos privados para que possam avançar”, sustentou Reis Campos, salientando que “o Governo não pode perder tempo e arrastar as suas decisões de investimento”.
A.L.