O Governo e a Oposição continuam o braço de ferro na Venezuela. Cada um apresenta as suas razões, ambos esquecendo que já nada falta para que a guerra civil tome conta do país. A comunidade portuguesa residente na Venezuela ronda as 450 mil famílias e está, nesta como em muitas outras alturas, entregue ao Deus dará. Será mais ao Diabo dará porque um dos responsáveis pelas recentes três mortes, a tiro, registadas em Caracas é um cidadão português. Até agora, Lisboa lavou as mãos do problema. Será porque estes são cidadãos de segunda?
E enquanto o cônsul geral de Portugal em Caracas, Francisco Azevedo, afirma que os portugueses nada têm a temer e o Governo de Durão Barroso embandeira em arco com a inauguração do metropolitano do Porto (13 anos depois do prometido), a comunidade portuguesa vai pondo as barbas de molho.
Os portugueses residentes na Venezuela sabem, muitos por experiência própria, que para passarem de bestiais a bestas não é preciso muito. Sabem, igualmente, que em épocas de crise os estrangeiros são sempre os culpados de tudo, mesmo que nada tenham feito. Sabem, ainda, que Lisboa tem muito mais com que se preocupar...
MILITARES E PETRÓLEO, PETRÓLEO E MILITARES
Entretanto, soldados venezuelanos invadiram um navio-tanque da companhia petrolífera estatal PSVSA, cujo capitão aderiu à greve geral contra o Governo do presidente Hugo Chávez. A paralisação, que já dura há sete dias, praticamente interrompeu as exportações do quinto maior fornecedor mundial de petróleo.
A TV local mostrou soldados fortemente armados transferindo-se de uma lancha para o navio Pilin Leon, cuja adesão à paralisação na última quarta-feira ajudou a desencadear um estrangulamento do fornecimento de petróleo no centro petrolífero do lago Maracaibo.
Vários outros capitães de petroleiros seguiram o exemplo do comandante do Pilin Leon e pararam suas embarcações, paralisando as operações de carregamento e descarregamento de petróleo.
\"A Guarda Nacional está a bordo... o navio foi tomado pelos militares\", disse por telefone, à Reuters, César Vicente, capitão de outra embarcação que aderiu à greve e que estava em contacto com o comandante do Pilin Leon, Daniel Alfaro.
A acção ocorre após Chávez ter condenado a adesão do navio-tanque à greve como \"pirataria\" e ordenado aos militares que dominassem os petroleiros caso os seus comandantes se recusassem a render-se.
Vicente, cujo navio, Moruy, estava ancorado na mesma região que o Pilin Leon, afirmou ter recomendado a Alfaro que entregue a embarcação aos soldados. \"Eles não serão capazes de operá-la porque não têm tripulação\", disse.
A tomada do petroleiro irá acirrar as tensões na indústria petrolífera, afectada pela paralisação em protesto contra o presidente Chávez. Vários executivos da gigante estatal do sector, a PDVSA, ao lado de trabalhadores dos transportes e extracção de petróleo, aderiram à greve.
A morte de três manifestantes de oposição, abatidos a tiros em uma praça de Caracas, aparentemente por um único atirador, já havia exaltado, sexta-feira, os ânimos dos oposicionistas.
A oposição pressiona Chávez para que realize um referendo que decidiria pela continuidade ou interrupção de seu Governo. Chávez recusa-se a realizar a votação, afirmando que a Constituição do país só permite que ela seja realizada em Agosto do ano que vem, após haver transcorrido metade de seu mandato.
Chávez, que sobreviveu a um golpe de Estado em Abril, rejeita as acusações da oposição, considera a greve como um fracasso e acusa seus inimigos de tentarem tomar o Governo.
\"Eles estão jogando com a carta da desestabilização... a greve tornou-se uma sabotagem petrolífera\", disse o presidente a repórteres estrangeiros. Chávez acrescentou que estava avaliando as medidas que pretende tomar contra a greve geral. Declarar o estado de emergência é uma possibilidade, afirmou.
PORTUGUESES TEMEM QUE SEJA O PRÍNCIPIO DO FIM
Empresários portugueses estão apreensivos quanto à evolução dos acontecimentos, admitindo a eventual falência de empresas caso a greve se prolongue por vários dias.
As dificuldades, frisam, aumentam pelo facto de Dezembro ser o mês em que os patrões efectuam o pagamento de subsídios de Natal, tendo gastos adicionais, que, nalguns casos, atingem valores próximos do dobro das médias mensais.
Alguns empresários afirmaram concordar com as medidas de pressão delineadas pelos sectores empresarial, sindical e partidos políticos da oposição, lamentando não poderem aderir à greve e repudiando qualquer vínculo aos partidos políticos que governaram a Venezuela durante os 43 anos que precederam a chegada de Hugo Chávez ao poder.
Enquanto isso, familiares dos portugueses que vivem na Venezuela vão apelando para que Portugal não se esqueça de que eles existem e que merecem (quanto mais não seja) respeito e apoio. À nossa Redacção têm chegado muitos apelos para que alertemos o Governo para que faça alguma coisa «enquanto é tempo».
Acreditamos que, depois da inauguração do metro do Porto, do fecho da reunião da OSCE, dos inquéritos ao metro (este de Lisboa) e aos amnésicos casos de pedofilia, e provavelmente antes do Euro 2004, o Governo de Lisboa encontrará tempo (tal como o fez o Presidente da República em relação a Timor-Leste – onde tinha a filha) para pensar se tem tempo para pensar nos portugueses da Venezuela.