O treino de cães “sem família” por parte de reclusos do Estabelecimento Prisional de Vila Real e a reabilitação mútua é o objetivo do projeto “Pelos 2”, que leva os animais duas vezes por semana à cadeia.

O momento em que os cães cruzam os portões do EP de Vila Real é o mais aguardado da semana por Tiago, com 35 anos, um recluso que quer ser apenas identificado pelo primeiro nome e que já é um embaixador do projeto “Pelos 2”, que está a ser implementado pela associação DTC Social.

“Foi uma iniciativa cinco estrelas, tanto para ajudar os animais como para me ajudar a mim aqui dentro a passar o tempo. Tem sido fantástico participar”, afirmou à agência Lusa, salientando a paixão que nutre pelos cães.

Como embaixador tem também a função de ajudar outros reclusos a cumprir o papel de educadores.

Os animais são uma espécie de “lufada de ar fresco” que entra pelos portões da cadeia de Vila Real duas vezes por semana. A Lusa acompanhou uma das sessões que começou no pátio exterior, mas depois passou para o interior do edifício devido ao calor intenso que se fazia sentir.

“Sempre tive este fascínio peloS cães e estar aqui a ajudar na educação dos mesmos para a sua reinserção na sociedade, então é um gosto a dobrar”, salientou Tiago, que se encontra a cumprir prisão preventiva e à espera de julgamento num processo relacionado com o consumo de estupefacientes.

Neste EP, o “Pelos 2” envolveu 24 reclusos, mas o projeto estende-se a mais cinco estabelecimentos prisionais do Norte do país, envolvendo um total de 99 cães e 369 reclusos, entre homens e mulheres.

Os participantes treinam os cães com vista à melhoria do seu comportamento para que possam vir a ser adotados. Ensinam o animal a andar à trela, a sentar ou a deitar, e quando ele cumpre é-lhe dado um biscoito como recompensa.

“Na situação em que eu estou agora isto significa muito. O passar o tempo, o aprender, é uma grande ajuda aqui no estabelecimento”, salientou Tiago, apresentando a Lara, a cadela tímida e medrosa com que treinou.

Duarte Capela, 59 anos, cumpre pena por tráfico de droga e tem como companheiro o Dingo.

“Não é fácil estar aqui dentro, distraio-me nas horas que venho cá, gosto dos cães e gosto de os ensinar e que eles me conheçam também. Vou lá para dentro mais alegre”, salientou o recluso, que disse que o projeto tem sido uma ajuda “para aguentar mais”.

Há 15 meses detido, Duarte tem uma pena de quatro anos para cumprir e está à espera do resultado do recurso apresentado.

Artur Silva, 46 anos, treina a Mel e disse que adorou o projeto pelos cães e pela equipa da associação, garantindo que aprendeu “muitas coisas boas”, nomeadamente a cuidar e a respeitar os animais.

A cumprir também pena por tráfico de droga, referiu que este tempo com a cadela o ajudou a “abstrair um pouco dos pensamentos” dentro da cadeia.

“A ideia é que, no final, tanto os cães como as pessoas saiam com competências reforçadas que lhes permitam uma melhor integração na sociedade. Da parte dos cães, o ideal é que arranjem uma família, que consigam ser adotados, da parte das pessoas é que utilizem este tempo de reclusão para reforçar ou trabalhar competências do nível comportamental, social, como a empatia”, afirmou Sílvia Sousa, psicóloga da DTC Social.

Na sua opinião, a “reabilitação mútua é a palavra-chave” deste projeto e questionada sobre se o “Pelos 2” está a fazer a diferença para os reclusos, a responsável respondeu que “sim”.

Esta associação faz intervenções assistidas por animais e o tratador António Brandão frisou que a missão é “ajudar animais e pessoas”, dando uma segunda oportunidade aos cães que têm histórias de abandono e também de devolução ao canil por problemas comportamentais.

Pelo que, acrescentou, se pretende reduzir a probabilidade de devolução, enquanto, ao mesmo tempo, os educadores conseguem adquirir conceitos e educação canina, ferramentas que podem vir a ser úteis quando deixarem o EP.

“O ‘feedback’ do trabalho com os educadores é ótimo, ou seja, é muito gratificante todo este processo”, referiu António Brandão, destacando a esperança de poder “fazer a diferença na vida de alguém”.

Maria Celeste Martins, diretora do EP de Vila Real, destacou os resultados positivos do projeto, salientando que se nota “que a ansiedade e a agressividade” dos reclusos participantes diminuíram muito, e que se nota também “nos comportamentos que tem uns com os outros”.

“Para os senhores reclusos isto tem sido uma mais-valia imensa”, frisou.

A inscrição no programa é feita de forma voluntária, mas é necessário cumprir critérios, nomeadamente o recluso não pode ter histórico de maus-tratos ou abuso contra animais, e tem que ter tempo de pena suficiente para ficar durante cada ciclo de intervenção, que corresponde a três meses.

O ciclo deste grupo de reclusos termina agora e o desejo unânime revelado por todos é que o projeto se possa prolongar.

*** Paula Lima (texto) Lusa



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