O relatório oficial sobre o caso da morte da bebé Sílvia - a menina que morreu em Maio deste ano, em Genebra, sozinha em casa - enjeita responsabilidades das várias entidades envolvidas no caso, mas aponta falhas no funcionamento das instituições que contribuíram para a morte da criança.
O caso do bebé Sílvia, como ficou conhecido, ocorreu em Maio, quando a mãe de Sílvia, Susana Vasconcelos, portuguesa residente na Suíça, 22 anos, toxicodependente, foi detida no dia 08 desse mês, perto da estação ferroviária de Genebra, para cumprir uma pena de 44 dias por furto em lojas.
A jovem saíra de casa cerca da meia-noite, deixando a filha de 16 meses a dormir, para ir comprar droga quando foi detida. No dia 01 de Junho, a bebé Sílvia foi encontrada morta, à fome e à sede, pela polícia de Genebra em casa da mãe, devido ao cheiro denunciado pelos vizinhos. O caso provocou grande perturbação em toda a Suíça dado que a criança já se encontrava sob tutela dos serviços sociais de Genebra.
O inquérito agora divulgado foi mandado instaurar pelas autoridades suíças e incidiu sobre a acção das diferentes instituições implicadas (Protecção da Juventude, Polícia, prisão de Champ-Dollon e Hospício Geral). É da autoria do professor universitário de Direito Civil Martin Stettler, que afirma que o relatório não procura apurar responsabilidades individuais, uma vez que tal cabe ao juiz de instrução.
Embora não culpabilize ou responsabilize ninguém, o relatório aponta várias falhas em todo o processo, como o envio de Susana Vasconcelos, a mãe da bebé, para a prisão de Champ-Dollon, um estabelecimento prisional que não tem condições para albergar prisioneiras com bebés.
O facto de Susana ter sido interrogada apenas quatro dias depois de ter sido presa é outra falha grave apontada, considerando que se o interrogatório tivesse ocorrido antes teria sido possível evitar a morte da bebé.
Questionada sobre o motivo que levou a polícia a não se preocupar mais com a bebé após o telefonema da mãe ao seu namorado para que fosse buscar a bebé ao seu apartamento, a Conselheira de Estado, Graff, referiu que a mãe não se enquadra no perfil de toxicómana e por isso mesmo as autoridades nunca pensaram que ela pudesse estar a mentir, refere o documento.
O relatório contém ainda várias propostas de soluções para casos futuros, como uma despistagem das crianças em risco e a alteração de centro penitenciário para prisioneiras com filhos pequenos. O contacto entre as mães e as instituições sociais deve ser uma realidade positiva para que as mães não venham, como no caso de Susana, a recear revelar o paradeiro das suas crianças em caso de prisão, indica ainda o relatório.
Relatório “aquém das expectativas”
Stettler sugere ainda que quando o pai ou a mãe presos se recusam a indicar o paradeiro do (a) seu/sua filho (a), estes devem ser considerados como desaparecidos para que se possam proceder às respectivas buscas. Por último, o relatório refere ainda que no futuro os funcionários sociais e policiais envolvidos num caso idêntico devem contar com um apoio superior, ao nível hierárquico, que em caso de necessidade possa intervir de forma rápida pedindo mandados de busca ou qualquer outra decisão que o caso possa necessitar.
Martin Stettler, autor do relatório é actualmente professor de Direito Civil na Universidade de Genebra mas foi durante sete anos assistente social no sector penitenciário e outros sete anos director do Serviço de Protecção da Juventude.
Há duas semanas, Michelline Calmy-Rey, conselheira de Estado do Governo do cantão de Genebra, assumira publicamente a responsabilidade da administração suíça no caso da bebé portuguesa. A conselheira, que falava durante um jantar a 14 de Novembro em Genebra, após uma sessão de esclarecimento sobre o Euro 2004, afirmara que “esta morte revelou a falta de funcionamento das instituições”.
O conselheiro das Comunidades queacompanhou o caso da morte da bebé Sílvia disse que o relatório oficial sobre o caso “ficou aquém das expectativas”. Manuel de Melo apoiou a avó da bebé Sílvia durante todo o processo de prisão e libertação da mãe da criança, Susana Vasconcelos e comentou que pedir a um ex-funcionário do Departamento de Protecção da Juventude que faça um relatório sobre essa mesma instituição “limita desde logo os resultados”.
Comentando o relatório, o conselheiro afirmou à Lusa que os objectivos do documento são “branquear a acção dos serviços de Estado e procurar soluções para prevenir um comportamento futuro num caso idêntico.”
Segundo a Agência Lusa, não foi possível até agora obter reacções de Susana Vasconcelos, que se encontra incomunicável, em liberdade a aguardar julgamento por homicídio involuntário por negligência e omissão de prestação de socorros, de sua mãe, do advogado de defesa, Jacques Barrillon, ou das autoridades consulares portuguesas.