António Caeiro, da Agência Lusa Lisboa, 16 Mai (Lusa) - Entre as centenas de padres europeus enviados outrora para a longínqua China, o português Frei Alexandre de Gouveia ficou com uma missão especialmente difícil: dirigir a diocese de Pequim.

Ao fim de 26 anos, aquele missionário de Évora não conseguiu converter muitos chineses à fé católica e, pior ainda, dois séculos depois da sua morte, é ignorado pelos próprios compatriotas.

Foi para preencher essa "lacuna da historiografia portuguesa" que António Graça de Abreu escreveu a primeira biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, bispo de Pequim desde 1783 até morrer, em 1808.

Aquele prelado dedicou quase metade da vida a uma "estranha diocese", enfrentando, durante esse tempo, "duas grandes perseguições contra a cristandade", mas hoje "é uma figura praticamente esquecida", realça Graça de Abreu.

A biografia de Alexandre de Gouveia, publicada este mês pela Universidade Católica Portuguesa, com o patrocínio da Fundação Jorge Alvares, mostra também que as relações luso-chinesas não se resumem ao território de Macau.

Pelas contas de Graça de Abreu, nos séculos XVII, XVIII e XIX, mais de trezentos missionários portugueses foram para a China, um país que se imaginava o "centro do universo" e cuja cultura parecia refractária à ideia de Deus.

D. Frei Alexandre de Gouveia nasceu e cresceu em Évora, onde Graça de Abreu foi encontrar uma centena de cartas suas (escritas de Macau, Cantão, Pequim e outras paragens) e um retrato "em péssimo estado de conservação", que seria restaurado pela Fundação Oriente.

Licenciado em matemática e astronomia pela Universidade de Coimbra, D. Frei Alexandre de Gouveia foi também um dos cientistas ocidentais que esteve ao serviço da corte imperial chinesa e, nessa qualidade, chegou a vice-director do chamado Tribunal da Matemática e Astronomia.

O Bispo de Pequim devia, nomeadamente, "colaborar na feitura do calendário anual do império e participar na elaboração dos cálculos tendentes à previsão dos eclipses do sol e da lua".

Como muitos outros missionários, D. Frei Alexandre de Gouveia adoptou um nome local (Tang Yalishan) e "empenhou-se em conhecer o mundo chinês, a língua escrita e falada, os usos e costumes", conta também Graça de Abreu.

Mesmo assim, "o número de católicos na China crescia muito lentamente" e em Pequim, quando ele morreu, haveria apenas 20 mil - um por cento da população da cidade.

"Em Lisboa, nada, absolutamente nada se sabe da China (Ó) mesmo Macau ignora o sistema deste Império", escreveu Frei Alexandre de Gouveia.

De António Graça de Abreu, o autor da sua biografia, não se poderá dizer o mesmo.

Antigo professor de português nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, Graça de Abreu viveu quatro anos na capital chinesa, até 1981, e desde então tem-se dedicado ao "conhecimento das coisas da China e à Sinologia como ciência".

Quando partiu para Pequim tinha 30 anos e "uma alma ainda meio maoista", mas, segundo diz hoje, "o coração esfriou depressa" e a China revolucionária deixou de o interessar.

"Havia um fabuloso império a desvendar. Não a China recente, da criação do +homem novo+, sempre velho, esmagada por arbitrariedades e despotismo, mas a China Clássica, do +homem velho+, sempre novo", afirma Graça de Abreu no livro sobre o bispo de Pequim.

Antes daquela obra, o autor publicou antologias de poemas de Li Bai e de Wang Wei, dois dos mais famosos poetas da dinastia Tang (séculos VII a IX).



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