Depois do trabalho do rio, que cavou fundo o seu leito, o homem adaptou as encostas íngremes à cultura da vinha, construindo assim uma das mais antigas regiões vitícolas do mundo, demarcada e regulamentada em 1765 pelo Marquês de Pombal. A Região Demarcada do Douro, onde se produz um vinho universalmente conhecido sob a designação Porto, está novamente "nas bocas do mundo. A razão: o Alto Douro Vinhateiro vai ser classificado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade.
O coordenador do projecto de candidatura, Fernando Bianchi de Aguiar, considera que o Alto Douro é "um exemplo de paisagem que ilustra diferentes etapas da história humana e representa uma paisagem cultural evolutiva viva". O que justifica o facto desta região vir agora integrar um grupo restrito de locais que detêm o epíteto de Paisagem Cultural, uma designação criada em 1992 pela UNESCO para as paisagens que combinam o trabalho humano com os valores culturais, constituindo assim um valor universal reconhecido.
Dos 690 bens existentes em todo o mundo classificados como Património Mundial da UNESCO, apenas dez são portugueses e destes só a vila de Sintra possui o título de Paisagem Cultural.
Diversidade na unidade
A Região Demarcada do Douro, onde se produzem os vinhos correspondentes às denominações de origem "Porto" e "Douro", abrange 250 mil hectares, dos quais 48 mil são ocupados por vinha, e dela fazem parte 22 municípios. No entanto, apenas 24 mil hectares, ou seja, um décimo dessa área, que engloba treze concelhos, vai ser classificado pela UNESCO como Património Mundial. Contudo, a zona classificada é representativa da diversidade do Douro, uma vez que inclui espaço do Baixo Corgo, do Cima Corgo e do Douro Superior.
O território do Alto Douro Vinhateiro, área a classificar, integra o vale do rio Douro, que já é considerado Património Mundial nos seus extremos, nomeadamente o Porto, e no lado oposto o Parque Arqueológico do CÎa. Os treze concelhos que fazem parte da zona distinguida pela UNESCO são Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Lamego, Mesão Frio, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Tabuaço, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz CÎa e Vila Real, estendendo-se ao longo das encostas do rio Douro e dos seus afluentes, Varosa, Corgo, Távora, Torto e Pinhão.
A restante área da Região Demarcada do Douro ficará classificada como "zona tampão", onde estarão integradas as denominadas aldeias vinhateiras, um projecto da responsabilidade do Ministério do Planeamento que tem como objectivo a requalificação urbana do Douro, de forma a atenuar os riscos que esta candidatura assumiu ao incluir no mapa 60 aglomerados urbanos, muitos dos quais não se enquadram na paisagem característica da região. Dos cerca de 600 aglomerados rurais que existem no Douro, foram incluídos no projecto Favaios (Alijó), Provezende (Sabrosa), Barcos (Tabuaço), Salzedas e Ucanha (Tarouca).
A elaboração da candidatura do Alto Douro a Património Mundial teve um custo de 58 mil contos, dos quais 43,6 mil, ou seja, 75 por cento, foram financiados pelo terceiro Quadro Comunitário de Apoio. Os restantes 25 por cento ficaram a cargo da Fundação Rei Afonso Henriques, a entidade que em 1998 ressuscitou a candidatura.
Mudanças na região
A classificação do Douro como Património Mundial vai implicar uma série de alterações na região duriense, já que o projecto da candidatura define um conjunto de medidas de ordenamento e gestão do território e de qualificação e valorização ambiental.
Para Bianchi de Aguiar, esta é uma região "de contrastes entre a riqueza das vinhas e o subdesenvolvimento, entre a beleza da paisagem e a falta de regras urbanísticas". O coordenador da candidatura acrescenta ainda que "quem visita o Douro depara-se a cada passo com autênticas lixeiras à beira das estradas e mamarachos que estão completamente desenquadrados em relação à paisagem".
Como exemplo, Bianchi de Aguiar destaca a antiga fábrica Milnorte, localizada junto à Barragem de Bagaúste que, afirmou, "deverá ser objecto de uma implosão". Mas as más construções não ficam por aqui, e segundo este responsável também a escola EB 2,3 do Pinhão deverá ser objecto de requalificação, pois está "completamente desenquadrada em relação ao resto da paisagem que a envolve".
Para colmatar estas deficiências, serão promovidas obras de recuperação e valorização do património.
Gerir e salvaguardar
o património
Bianchi de Aguiar adianta que a UNESCO exige a criação de organismos que assegurem a salvaguarda, gestão e valorização da paisagem cultural. Nesse contexto, foi elaborado o Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território (PIOT), um instrumento de gestão territorial que prevê uma série de orientações estratégicas para os treze concelhos incluídos na zona a classificar. Para garantir os meios financeiros e técnicos necessários à concretização das acções previstas, o documento propõe a formalização de um pacto de desenvolvimento entre as treze câmaras e os ministérios do Planeamento, do Ambiente, da Agricultura, da Economia e da Cultura.
O PIOT, que vai agora entrar na fase de discussão pública, prevê a criação de duas estruturas de apoio à gestão e salvaguarda da paisagem: o Gabinete Técnico Intermunicipal do Alto Douro Vinhateiro, com funções de ordenamento e gestão do território, ao qual se torna obrigatório pedir parecer para futuras intervenções nesta região; e a Associação Promotora do Alto Douro Vinhateiro, com funções consultivas, que agregará diversas entidades na recuperação de bens e na preservação, valorização e promoção da paisagem vitícola classificada.
O plano de gestão do Alto Douro Vinhateiro inclui ainda um programa intermunicipal de requalificação ambiental de áreas degradadas, em especial de zonas de deposição de lixos e entulho e de escombreiras, que neste momento constituem uma das maiores "nódoas negras" da paisagem.
Bianchi de Aguiar referiu ainda que serão criadas zonas específicas para a recepção de entulho oriundo da construção civil, ao mesmo tempo que se pretende desenvolver acções de sensibilização junto das escolas, das populações e dos empreiteiros para as questões da preservação da paisagem.
Promover a requalificação e a valorização das áreas agrícolas e apoiar a mitigação dos impactes negativos causados por adegas e outras construções industriais e agro-industriais não inseridas na paisagem são outros objectivos propostos no projecto de candidatura.
Segundo Bianchi de Aguiar, em 2003 terá de ser apresentado à UNESCO um relatório da situação do Alto Douro Vinhateiro, para averiguar se as condições impostas para a classificação foram cumpridas. E "se a paisagem cultural evolutiva viva do Alto Douro Vinhateiro não for bem gerida nem valorizada, a classificação de Património Mundial poderá ser retirada", concluiu.