Viticultores queixam-se de um agravamento das dificuldades no Douro: José desespera porque perdeu o comprador habitual das suas uvas, Manuel aplica dinheiro da reforma na vinha e António desistiu da propriedade devido à perda de rendimento.
A poucas semanas do início da vindima no Douro, os produtores ficaram a saber que este ano há um corte de 14.000 pipas (550 litros) na produção de vinho do Porto, depois do benefício ter sido fixado nas 90.000 pipas.
O benefício é a quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção de vinho do Porto e é também uma das suas maiores fontes de receita.
Esta redução foi o mote para a manifestação marcada para quarta-feira, no Peso da Régua, pela Associação dos Viticultores e da Agricultura Familiar Douriense (Avadouriense), em conjunto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), mas há mais problemas a afetar os pequenos e médios produtores da mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo.
Há 30 anos que José Marinho, 65 anos e residente em Sanfins do Douro (Alijó), entregava as uvas no mesmo operador, mas em maio recebeu uma carta a dar conta que a empresa não quer comprar a sua produção nesta vindima.
“Com 34 toneladas de uvas de moscatel, branco e tinto e oito pipas de tratado [vinho do Porto] onde as meto agora?”, questionou, admitindo estar aflito e à procura de novos compradores.
Já no ano passado, argumentando com os ‘stocks’ cheios, houve empresas ou não compraram ou compraram menos uvas aos viticultores.
“Vou buscar da reforma para granjear as terras, é o que acontece”, afirmou Manuel Lapa, 74 anos e viticultor em Sabrosa.
O produtor disse que já vendeu parte das suas propriedades, tendo ficado apenas com três hectares de vinha, porque “não dá rendimento”.
“Já cheguei a colher 20 e tal pipas de vinho do Porto e hoje colho cinco. Lembro-me de vender a pipa do vinho tratado a 230 contos (1.150 euros), hoje bota-se para as adegas a 800 euros. Já viu o que isto andou para trás?”, realçou.
E foi, precisamente, porque a vinha não dava rendimento que António Correia decidiu vende-la há um ano.
Natural de Sabrosa a emigrante na Suíça tinha que recorrer a trabalhadores para granjear a vinha e, segundo explicou, o rendimento que tirava não chegava para pagar as despesas.
“Era uma vinha pequena, mas gastava mais do que aquilo que recebia”, afirmou.
Por estes dias, Vítor Herdeiro cruza as aldeias e vilas do Douro a distribuir panfletos e sensibilizar os viticultores a participarem na manifestação que tem ponto de encontro marcado para o edifício do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP).
É ao conselho interprofissional do IVDP que cabe fixar o benefício para cada vindima.
Herdeiro tem 51 anos, é viticultor em Vila Real, dirigente da Avadouriense e resumiu os três principais motivos do protesto: o corte no benefício, a redução do rendimento por hectare das 10 para as oito pipas e ainda as incertezas no escoamento de uvas.
“Os exportadores estão-se a preparar para não ficar com a produção porque dizem que estão cheios”, frisou, alertando para a entrada de vinho importado que se tem verificado na região.
A isto acrescentou as reclamações dos viticultores como o preço justo para uvas e vinhos e o controlo e limitação das importações de vinhos e de mostos.
O responsável disse que a pipa de vinho de consumo está a ser vendida apenas a 300 a 350 euros e que a pipa de vinho do Porto ronda entre os 800 e os 1.000 euros.
Em dois anos, o Douro perdeu 26 mil pipas de benefício, o que equivale a menos cerca de 26 milhões de euros, tendo em conta a média de 1.000 euros por pipa.
Luís Pinto, 56 anos, tem mais de 100 hectares de vinha em Covas do Douro, Sabrosa, e salientou que este já foi um “negócio que deu dinheiro”, frisando que é o vinho do Porto que “sustenta a casa”.
“Agora está um bocado complicado porque, com os cortes e as despesas, vamo-nos ver desgraçados”, salientou, elencando o cada vez maior custo dos pagamentos à Segurança Social, da mão de obra, dos combustíveis para os tratores e máquinas agrícolas ou os tratamentos às videiras.
Cada tratamento, exemplificou, custa cerca de 5.000 a 6.000 euros e este ano teve de fazer seis.
*** Paula Lima, da agência Lusa ***