Algumas tradições são tão antigas, que já se apagaram na memória dos povos os significados, motivos e gestos, dos rituais que as motivaram. Nelas resta pouco da origem, são apenas fagulhas que de longe lembram o tema primordial da vida de nossos antepassados.
Uma que felizmente permanece viva é a Fogueira do Galo. Esquecida na maioria das aldeias é celebrada e mantida, até hoje, em nossa terra, graças ao empenho, garra e vontade, dos rapazes solteiros e de alguns homens casados.
Para alguns esta celebração remonta na antiguidade e chega até nós, dos rituais pagãos dos povos que povoaram o Hemisfério Norte. Pode ser que sejam apenas lendas... Alguns historiadores afirmam que o motivo tem a ver com a diminuição dos dias que ocorre no solstício de inverno. Ao ver que os dias ficavam menores e temerosos de que o sol se extinguisse completamente, os homens das aldeias reuniam-se, para fazer grandes fogueiras e chamar a luz solar através, da labareda e do calor, que subia aos céus. “Esta crença ancestral levou à adopção do costume de acender fogueiras para evocar o sol a brilhar com mais intensidade de luz e calor, para que a Terra Mãe não deixasse de ser fértil”, afirma o investigador António Rodrigues Mourinho.
Com a chegada do Cristianismo o costume de acender fogueiras no inicio do inverno se mantém, mas assume um novo motivo: o nascimento de Jesus. Que coincidentemente ocorre quatro dias depois do inicio do solstício de inverno, no dia 25 de dezembro.
Desde o século IV, um hino latino cantado na cerimônia do Natal aponta o nascimento no meio da noite. Daí o costume de assumir que foi a meia-noite que Ele nasceu. Também é Neste horário que o Papa celebra a Missa do Galo na Basílica de Santa Maria Maior, desde o século V.
A tradição da fogueira do galo é incorporada no rito natalino como complemento ou antecipação da Missa. As simbologias se fundem em uma só: Jesus é a luz do mundo, que passa a iluminar a todos e, o acender da fogueira, uma celebração desta luz divina, luz e calor que não se apagarão jamais. Celebramos o nascimento de um menino Deus.
Nas leituras da missa uma passagem de Isaias remete para o tema: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte, uma luz começou a brilhar.” Curiosamente em todo o calendário litúrgico só duas missas são celebradas à meia-noite, a Missa do Galo e a Missa de Páscoa, pois nelas há o sentido de procurar a luz no meio da escuridão.
Mas porque se chamam missa e fogueira do Galo?
Nisto as tradições são diversas. Uma porem tem algum fundamento. O animal representa a vigilância e a fidelidade ao testemunho Cristão. Quem não se lembra de Pedro a negar a Cristo, perto de uma fogueira, depois da ultima ceia e, do mesmo Pedro, perturbado com a presença e canto da ave, em hora estranha, que imediatamente o remetem para as palavras do Mestre, “ao cantar do galo me negarás três vezes”.
Assim perante a fogueira, um novo testemunho de fé é pedido aos Cristãos. Ao ver os raios de sol o galo canta e portanto, ao reverenciar o sol nascente, o galo e o povo, louvam o seu criador Jesus Cristo.
Muitas das Igrejas mais antigas têm um galo em seus campanários. Existe ainda a lenda em alguns lugares que afirma que é chamada de Missa do Galo, porque, a única vez que um galo cantou à meia-noite foi na noite em que Jesus nasceu.
De volta à tradição da fogueira do Galo em Castelo Branco, um elogio para os rapazes solteiros de todos os tempos que ano após ano, geração após geração, mantiveram uma das fogueiras mais fortes e animadas do Concelho de Mogadouro e do distrito de Bragança.
Por aqui o galo teve sempre uma sorte um tanto diferente. Prendia-se na ponta de toro de olmo, com alguns bons metros de altura, depois era sacrificado e assado na fogueira. Aquele que matasse o galo ia buscar uma remeia de vinho, e quando as pessoas se dirigiam à fogueira, podiam provar do galo e beber um copo de vinho.
No dia 24 desde o começo da tarde, os rapazes começam a recolher e a juntar a lenha que vai formar a fogueira e permitir que ela fique acesa por muito tempo.
A lenha que hoje existe em abundancia por todos os lugares já foi em alguns tempos escassa. Usada nos fornos para fazer o pão e nas lareiras para aquecer as casas e os corpos durante o inverno rigoroso, que se faz sentir em nossas terra, era pouca e muito valiosa. Nestes tempos os rapazes iam de porta em porta com um ou dois carros de bois a pedir a lenha para a fogueira. Cada família contribuía com o que podia dar, mas todos queriam participar e assim os carros de bois eram rapidamente carregados.
A fogueira foi durante muitos anos acesa no adro da Igreja. Neste lugar permitia reunir à volta dela a todos para se aquecer e confraternizar ao chegar ou sair da missa.
Nos anos seguintes a fogueira cresceu de tamanho e quantidade de lenha usada para a acender.Como foi ficando maior de ano para ano, para não por em risco a Igreja e as casas próximas, foi mudada de lugar para o largo da Casa Grande e ali é acesa até aos dias de hoje.
Atualmente há lenha com fartura e são usados tratores e maquinas para a recolher por todos os lugares. Mas a participação e o numero de rapazes é cada vez menor, porem os que participam são valentes e fazem autênticos milagres para manter esta tradição viva. Os albicastrenses são determinados, e tem feito algumas das maiores já vistas em todos os tempos, como por exemplo a de 2009.
A fogueira é sempre motivo de orgulho e de união na nossa terra. Uma festa alegre, brindada com a força e alegria de todas as famílias de nossa aldeia, e claro que não podia deixar de ser celebrada também com alguns garrafões do vinho “nacional” albicastrense. Um vinho muito especial, como dizem os entendidos e apreciadores: O vinho, “nacional”, é um santo vinho que alegra o coração das mulheres e não entristece o dos homens.
A animada confraternização e reunião á volta da fogueira do galo proporciona a todos os presentes momentos de degustação de pão, presunto, alheiras, chouriços, chouriças, azeitonas que são sabiamente preparados com maestria pelas mulheres de nossa terra. O bacalhau cru, mesmo não sendo pescado na ribeira das pombinhas também faz sucesso e é muito elogiado por todos. Mas pudera não gostar, o sal dele puxa o vinho e apura o gosto...
Nossa fogueira sempre fez e teve histórias para contar... Simbolicamente na década de 80 foi queimada uma malhadeira inteira na fogueira do galo, para representar o fim dos trabalhos e canseiras da lida na lavoura, anunciado com a chegada das novas maquinas agrícolas à nossa região, . O autor deste manifesto foi nosso antigo regedor, Arlindo Parreira, um albicastrense que atualmente reside no Canadá, mas sempre presente.
Relembrar tradições é também uma forma de as manter vivas! Talvez eu tenha esquecido de algo sobre a fogueira e missa do galo… Ajude a lembrar. Participe do site participe deste resgate! Enviem artigos, fotos, lembranças, etc. para: para: [email protected]