OAlto Douro Vinhateiro corre sérios riscos de vir a perder a classificação de Património Mundial atribuída pela Unesco em 14 de Dezembro de 2001.
Essa é a convicção de vários autarcas e outros responsáveis da região, que se queixam de «indefinição por parte da Administração Central» e da «dispersão de competências por vários organismos e ministérios», como disse, ao JN, José António Santos, presidente da Câmara de Lamego. A Unesco desvaloriza os receios dos municípios e Bianchi de Aguiar, coordenador da candidatura, diz-se «desapontado».
O autarca, um dos mais críticos em relação ao actual estado de coisas, lembra que «quem se responsabilizou pela candidatura à Unesco foi o Estado. Os autarcas sempre estiveram disponíveis para colaborar, mas não podem fazer tudo». Explica, ainda, que «esta não é uma área como as restantes classificadas no país. Envolve 13 municípios, quatro distritos, duas comissões de coordenação e tutelas dos ministérios do Ambiente, da Agricultura, da Cultura, entre outros organismos». Para José António Santos, «a solução poderá passar pela criação de uma delegação do Instituto Português do Património Arquitectónico, um organismo com competências delegadas de outros ministérios e poderes reforçados e com técnicos que já existem mas estão nos locais errados».
Com a extinção do Gabinete Técnico Intermunicipal (GTI), há cerca de seis meses, a situação agravou-se. O presidente da Câmara de Lamego recorda que «se sabia, desde o início, que o GTI iria durar apenas dois anos». O financiamento era de 75% a cargo da Administração Central e o restante pago pelos autarcas. Agora, mais que nunca, «há um problema de tutela territorial, já que não existe qualquer entidade regional, nem uma voz de comando, e, portanto, não há o acompanhamento devido».
O Estado por trás
Sotero Ribeiro diz que «esta é uma situação em tudo parece estar em banho-maria. Há um vazio e o risco de haver problemas com a Unesco é cada vez maior». O presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa defende que «tem de ser nomeado ou encontrado um interlocutor pela Administração Central, porque a candidatura pela Fundação Afonso Henriques e todo o trabalho realizado, por exemplo, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) teve sempre o Estado por trás».
Entretanto, continuam os atentados à paisagem, refere ainda José António Santos, com construções dentro da área classificada, intervenções ao nível das vinhas e dos terrenos agrícolas, com obras públicas e outras.
A Agência Portuguesa de Investimento já assumiu que cerca de 300 milhões de euros de investimento estrangeiro podem estar comprometidos devido ao atraso na operacionalização do Plano de Desenvolvimento do Vale do Douro. Artur Cascarejo, autarca de Alijó, é um dos que afirma ver «investimentos avultados em risco porque o Governo anterior se desresponsabilizou e está tudo emperrado pelas teias burocráticas», defendendo que «tem de haver alguém a tempo inteiro encarregue destas matérias, com uma equipa pequena mas operativa, com autoridade e pesos institucional e político».
Prioridade do Governo
Para Guedes Marques, vice-presidente da CCDRN, «os autarcas não estão isentos de culpas», mas garante que «uma das maiores prioridades» do Ministério do Ambiente do Governo passa pela resolução dessa questão. Já Braga da Cruz, presidente da Liga dos Amigos do Alto Douro Vinhateiro Património Mundial, lembra que «é bom que sejamos zelosos» e sugere que a questão seja tutelada pela CCDRN. «Esta e outras questões serão analisadas numa reunião promovida pela Liga, que decorrerá no dia 7 de Maio, em Alijó», avança.
O JN contactou a Comissão Nacional da Unesco, em Lisboa, e, segundo Ana Nave, «a questão do risco de se perder a classificação nunca se pôs em relação ao Alto Douro Vinhateiro». Aquela responsável recorda o Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território (PIOTVD), a Comunidade Urbana do Douro e a Liga dos Amigos e conclui «Não se pode dizer que existe um desacompanhamento». Para Ana Nave, a desclassificação só está prevista em caso de grave atentado à paisagem, o que não aconteceu, considera. Mas a verdade é que o PIOTVD ainda está a ser transposto para os planos directores municipais. E continua por criar, com estava previsto, uma associação promotora da área classificada. Manuel Martins, presidente da Câmara de Vila Real, que tem liderado o processo da comunidade urbana, lembra que «ainda nem se sabe se esta figura se vai manter, porque o actual Governo ainda não definiu nada». O próprio governador civil do distrito, António Martinho, disse estar «muito preocupado com a questão» e garantiu que, juntamente com os outros governadores da região, «irá encetar esforços junto do Governo».
Bianchi de Aguiar diz-se «desapontado com a situação». Considera que «a responsabilidade da gestão do território cabe aos autarcas. Não podem estar sempre a clamar pela Administração Central». Mas lembra que «a Unesco está muito atenta e, se a avaliação que está a ser feita encontrar erros graves, pode ser complicado».
Dados
Área classificada
26,4 hectares é a área classificada nos 13 municípios. A totalidade da Região Demarcada do Douro abrange 250 mil hectares, dos quais 50 mil de área de vinha.
Residentes 180632 era o número de residentes da área aquando do último Censo (2001), o que dá uma média de 62,1 habitantes por km2, contra 173,3 da região Norte.
Poder de compra
40% da média nacional é o poder de compra nas zonas mais pobres da área classificada, enquanto, por exemplo, a taxa de analfabetismo ronda os muito escassos 17%.
Alguns autarcas da região foram céleres a acabar com lixeiras à beira-rio, mas a cada passo surge uma nova, com restos de obras e móveis e electrodomésticos velhos. «Sucatas e carcaças de automóveis amontoadas como a da serra da Aboboreira à entrada da região, próximo de Mesão Frio, continuam a proliferar, tal como edifícios em ruínas e antigas fábricas como a Milnorte em Bagaúste, depósitos de inertes, barcaças abandonadas e pedreiras abandonadas», disse Guedes Marques, vice-presidente da CCDRN.
De entre as várias lacunas na região classificada, destaque para a total ausência de sinalética a propósito da mesma. Vários organismos, com destaque para as regiões de turismo do Douro Sul, Nordeste Transmontano e serra do Marão estão envolvidas num processo que, durante algum tempo, ficou parado no IPPAR. Correia de Barros, da Região de Turismo da Serra do Marão, encarregado do processo, disse ao JN que, «neste momento, já está em fase de concurso a colocação da sinalética em todo o Alto Douro Vinhateiro».
No final do ano passado, a oposição socialista na Câmara do Porto denunciou a possibilidade de o centro histórico do Porto vir a perder a classificação de Património da Humanidade , devido ao alegado «abandono» da área por parte do actual Executivo do PSD. No entanto, nunca foi feita qualquer queixa formal à Unesco, pelo que a zona, que inclui também a Ponte Luís I e o Mosteiro da Serra do Pilar, na margem esquerda do Douro, em Vila Nova de Gaia, nunca chegou a integrar qualquer lista de risco.
Sucatas, lixeiras e ruínas por resolver
Sinalética em fase de concurso
Centro Histórico do Porto
Gaspar Martins Pereira, o antigo responsável do Museu do Douro, é apenas uma das personalidades que sempre chamou a atenção para «as centenas de vinhas novas plantadas sem critério e sem acompanhamento técnico», denunciando a ameaça constante de derrocadas. O mesmo acontece com a construção de muros, na maioria dos casos em cimento e betão. Todos os anos são destruídos quilómetros de muros em xisto e nem todos são substituídos pelo mesmo material. Basta passar na região para ver.
Em 2004, a Unesco fez um ultimato à autarquia de Sintra para que apresentasse um plano de gestão da área classificada como paisagem cultural, sob pena da mesma zona ir parar a uma lista negra, com possibilidade de perder o estatuto. O plano vinha sendo adiado desde a classificação há uma década. Finalmente, em Fevereiro deste ano, a Câmara entregou em Paris um documento, alvo de várias críticas por parte da oposição PS e PCP, que a Unesco está a analisar. Prevê-se que no Verão haja uma resposta.