Antigos fornos escavados na terra são usados para cozer as peças moldadas em Bisalhães, Vila Real, um método tradicional que é cumprido à risca para dar a cor negra ao barro e que levou à classificação pela UNESCO.
O oleiro Miguel Fontes disse à agência Lusa que a cozedura culmina um trabalho árduo e é um dos mais importantes passos de um processo, que em 2016 foi classificado como Património Cultural Imaterial, porque é o que vai dar a cor negra às peças de barro que caracteriza a olaria Bisalhães.
Entre quarta e quinta-feira alguns artesãos vão descer à cidade para participar na Feira de São Pedro, também conhecida como a Feira dos Pucarinhos, e os dias que antecedem o certame são de grande azáfama.
Durante meses foram moldadas as peças e, no sábado, familiares e amigos da família Fontes juntaram-se ao nascer do dia para cumprir o último passo do processo, a cozedura, recorrendo a um método ancestral e atípico.
Depois de mais de 20 anos desativado, o antigo forno da família foi recuperado. É um buraco escavado na terra, com uma parte frontal de pedra. As peças vão sendo colocadas umas em cima das outras, protegidas entre louça estragada, o forno é depois aceso e começa a aquecer por baixo.
Mais tarde, é colocada lenha em cima das peças, como giestas, carquejas e ramos de pinheiro verdes. Por fim, põe-se a caruma (agulhas dos pinheiros secas) e tudo é tapado com terra escura.
“Temos que ter o cuidado de a louça ficar o mais possível assente para não ter oscilações e não correr o risco de se partir”, explicou Constantino Fontes, 72 anos.
Cesário Martins, 88 anos, é um dos oleiros mais antigos e não resistiu a ir ver como estava a correr o processo e se a louça estava a ser bem colocada.
Ainda trabalha, embora pouco, mas esta é uma paixão de menino que conciliou com o trabalho na GNR e o fez regressar sempre à terra natal.
Constantino é filho de oleiro, mas só há poucos anos é que também começou a moldar o barro. Antes dele foi o filho, Miguel Fontes, que começou a trabalhar na roda, compatibilizando o artesanato com o trabalho como técnico informático na Câmara de Vila Real.
Miguel, 44 anos, contou que aprendeu a ver o avô trabalhar e hoje motiva-o ajudar na sobrevivência de uma atividade que está em risco, devido à avançada idade da maior parte dos oleiros, e a manter a tradição de ir vender na Feira dos Pucarinhos.
“Para mim é o principal foco, manter a tradição de a feira ter pucarinhos”, salientou o artesão, que explicou que, depois da morte dos avós, a olaria não fazia parte dos seus planos.
Durante o certame vendem-se peças utilitárias, como os alguidares e as assadeiras que são usadas para cozer comida nos fornos, e outras mais decorativas, como os pucarinhos, as bilhas de rosca ou as bilhas do segredo.
O oleiro salientou que, quando a louça é retirada do forno, depois de mais de três horas abafada, “tudo passa”. “O trabalho árduo, moroso, e o calor do forno e do dia de verão”, sustentou.
A louça começou a ser colocada pelas 05:00 e já passava das 11:00 quando foi retirada. Com sachos e pás foi removida a terra e depois, uma a uma, as peças já todas pintadas de negro.
As mulheres cumprem um papel importante em Bisalhães. Picam e amassam o barro à mão, decoram as peças e também vão ao monte buscar a lenha.
Belmira Fontes, 71 anos, disse que nasceu “na tradição”. Ajudou o pai, o sogro e agora o marido e o filho. “Fazemos tudo tal e qual como era feito antigamente, só mudou o irmos buscar a lenha, que agora vem de trator e dantes trazia-se à cabeça”, salientou.
Constantino Fontes recordou que, na sua infância, a olaria era a atividade principal desta aldeia do concelho de Vila Real. Contou que eram muitos os que tinham “que se agarrar” à roda e iam vender a sua arte à cidade e nas feiras, só mais tarde se instalaram pela Estrada Nacional 15 e, depois, em ‘stands’ colocados numa das entradas de Vila Real.
Agora, teme pelo futuro e lamenta que não haja mais gente nova a dedicar-se à olaria. Também Belmira Fontes disse que a juventude “não quer este trabalho”.
“Nós vamos fazendo, é mais por carolice, mas vai-se mantendo a tradição”, frisou Constantino, realçando que, depois da classificação pela UNESCO, “há muita procura pelas peças”.
Também Miguel Fontes salientou que o Património Mundial trouxe reconhecimento, verificando-se uma maior procura por parte da restauração ou hotelaria e mais turistas pela aldeia.
Em Bisalhães está a decorrer um curso de olaria com nove formandos, cuja importância é destacado pela vereadora do pelouro da Cultura da Câmara de Vila Real, Mara Minhava.
“É o fundamental para conseguirmos que esta arte não se perca”, salientou à Lusa, lembrando a idade já muito avançada da maioria dos oleiros.
Mara Minhava espera que alguns formandos se fixem na atividade, dando, assim, passos para que “se possa perpetuar” este património imaterial que foi inscrito na lista da UNESCO por necessitar de salvaguarda urgente.
Durante a Feira de São Pedro, haverá quatro ‘stands’ de olaria, um dos quais dos formandos, haverá trabalho ao vivo pelos artesãos, será recuperada a tradição do jogo do panelo e atuam Pedro Abrunhosa e Carminho.
O jogo, em que as peças vão passando de jogador em jogador até partir, vai ser recriado pela companhia de teatro Filandorra.
Paula Lima (texto) da Lusa e fotos Bruno Taveira do Diário de Trás-os-Montes