A mais extraordinária viagem marítima da História.

A 20 de setembro de 1519, Fernão de Magalhães partiu de Sanlúcar de Barrameda como capitão-mor da então chamada «armada da especiaria» que tinha por objetivo chegar às Molucas rumando para ocidente. Iniciava-se assim aquela que foi a mais extraordinária viagem marítima da História.

Quase três anos depois, a 6 de setembro de 1522, a Victoria foi a única das naus dessa armada a regressar a Espanha tendo então concluído a primeira circum-navegação da Terra feita de uma forma direta e ininterrupta.

Quinhentos anos depois do início dessa viagem épica, que se notabilizou por durante a sua realização se ter revelado como era a realidade da esfera do globo, evocamos essa tão grande proeza e o seu responsável: Fernão de Magalhães.

Fernão de Magalhães alcançou uma enorme projeção mundial por ter sido um dos descobridores mais notáveis e ousados de todos os tempos pois foi o responsável pela mais difícil, longa e fascinante viagem marítima da História, durante a qual se deu a primeira volta ao mundo.

Ao evocarmos os quinhentos anos do início de tal navegação importa divulgar o mais amplamente possível e de forma didática, sintética, honesta e rigorosa o conhecimento de quem foi Fernão de Magalhães, as suas viagens admiráveis e o legado que nos deixou. É o que aqui iremos tentar fazer num esforço de muito poucos minutos.

 

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Comecemos por abordar de forma tão concisa quão precisa quem foi Fernão de Magalhães

Fernão de Magalhães foi um cavaleiro fidalgo da casa real portuguesa que pertencia à família dos Magalhães, a qual era originária do Norte de Portugal onde nasceu cerca de 1480. Dele sabe-se que era baixo e coxeava, por ter sido ferido numa perna em Marrocos, e pode dizer-se que era ambicioso, astuto, audaz, autoritário, combativo, confiante em si mesmo, corajoso, determinado, hábil, irritadiço, justiceiro, lutador, otimista, persistente, perspicaz, resiliente, tenaz, valente, vingativo e voluntarista. Também sabemos que Fernão de Magalhães era especialista em Náutica, Astronomia, Geografia, Cartografia, Meteorologia e Matemática; curioso em conhecer novas terras e novas gentes; solidário com amigos e subordinados; duro com rivais e opositores; de opiniões firmes e frontais; sem medo; com espírito crítico; intransigente na defesa das suas opiniões, mas por vezes conciliador; interessado por economia e empenhado na obtenção de lucros com empréstimos e negócios de especiarias; resistente à fome, à sede e à doença; sedento de honrarias e muito cioso de pontos de honra; muito religioso e proselitista da fé católica; respeitador dos nativos que encontrou, a não ser em situações extremas; fiel aos senhores que nele confiavam; calculista, mas também por vezes ingénuo e com excesso de confiança.

 

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Vejamos agora qual o significado das viagens e do projeto de Fernão de Magalhães

Fernão de Magalhães foi um homem que se notabilizou pela realização de grandes viagens marítimas as quais se iniciaram em 1505 quando foi de Lisboa para a Índia, tendo permanecido no Oriente até 1513, altura em que regressou a Portugal. Entretanto fora um dos primeiros portugueses a ir a Malaca em 1509, lá tendo voltado para participar na sua conquista em 1511, cidade onde embarcou na armada portuguesa que em 1512 descobriu as longínquas ilhas Molucas, na parte oriental da Indonésia. Nessa altura ele foi também um dos primeiros europeus a descobrir um novo oceano, pois era nele que estavam essas ilhas, o qual foi denominado em 1513 pelos espanhóis como “mar do Sul” e em 1520-1521 por Fernão de Magalhães por Pacífico, quando o atravessou pela primeira vez. Ao chegar em 1512 àquelas ricas ilhas em especiarias Fernão de Magalhães estava a concluir a primeira parte daquela que seria a sua volta ao mundo, a qual ira concluir de forma indireta em 1521 quando chegou às Filipinas por ocidente, pois estas ilhas ficam a uma longitude idêntica à das Molucas.

Entre 1516 e 1517, tendo-se agravado com D. Manuel I, por este não lhe ter satisfeito pedidos que lhe fizera, Fernão de Magalhães concebeu em Lisboa um projeto que em 1518 foi propor a Carlos V: a realização de uma viagem às Molucas por uma via ocidental e não oriental, como a que faziam os portugueses. Dessa forma ele visava proporcionar ao rei espanhol as riquezas em especiarias dessas ilhas, pois alegava que, de acordo com a longitude muito oriental a que se encontravam já entrariam no hemisfério que pertenceriam a Espanha, de acordo com o estipulado no Tratado de Tordesilhas que em 1494 dividira o mundo em dois hemisférios, o oriental para Portugal e o ocidental para Espanha. Ver-se-ia que falhou por pouco o seu cálculo, pois as Molucas estavam de facto na parte portuguesa

Carlos V aceitou o projeto de Fernão de Magalhães e concedeu-lhe o comando de uma armada de cinco navios para realizar a longa e arriscada viagem que ele pretendia fazer.

 

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O legado de Fernão de Magalhães

Fernão de Magalhães é justamente considerada uma das personalidades mais célebres da História da Humanidade e nela o português mais conhecido pois com a realização da sua grande viagem até às Filipinas em 1521 culminou a realização do descobrimento da Terra que os portugueses tinham começado a tentar fazer cem anos antes, entre 1419 e 1421, na altura em que foram pela primeira à Madeira.

Fernão de Magalhães culminou os Descobrimentos dos séculos XV e XVI graças aos quais se conseguiram ligar todas as partes do mundo que até então  ainda não se contactavam ao passar-se a dominar o conhecimento dos oceanos que separavam os continentes, permitindo que estes se relacionassem entre si através dos navios, que foram assim umas pontes simbólicas que os ligavam.

A grande viagem de Fernão de Magalhães entre 1519 e 1521 permitiu alargar imenso os horizontes da realidade da geografia do mundo ao lograr o conhecimento da imensa vastidão do Pacífico e da sua ligação ao Atlântico, através do Estreito de Magalhães que ele descobriu, depois de ter revelado a América a sul do Rio da Prata e de seguida as Filipinas, onde veio a morrer a 27 de abril de 1521. Ele conseguiu assim provar experimentalmente que a Terra era circum-navegável, já que a sua esfericidade era conhecida teoricamente desde a Antiguidade, embora faltasse verifica-lo, o que ele fez.

Apesar de Fernão de Magalhães ter morrido em 1521 ele deve usufruir da glória do feito de ter executado a primeira circum-navegação integral da Terra, ainda que a tenha feito de forma indireta pois fê-la dividida em duas etapas, como já vimos, mas também porque foi o autor e executor da parte mais longa, difícil e original da viagem ininterrupta que concluiu a circum-navegação em 1522, sob a chefia de Juan Sebastián Elcano. Ao querer ir às Molucas por ocidente ele sabia que indo nessa direção para tal região onde já havia estado ele estaria a acabar de dar a volta ao mundo quando lá chegasse.

A realização da primeira circum-navegação da Terra teve grande impacto na cultura e na ciência europeia ao permitir revelar a dimensão aproximada do planeta.

O que aqui nos importa realçar é que foi graças a Fernão de Magalhães que se alcançou o essencial do conhecimento da forma da Terra, mesmo que não ignoremos que tão grande sucesso resultou das contingências da viagem e não do seu planeamento inicial. Com efeito Fernão de Magalhães ao sair de Espanha em 1519 não tinha a intenção de fazer uma circum-navegação da Terra, o que nem sempre é fácil de explicar, pois o seu único objetivo era entregar as Molucas a Carlos V, que o proibira de ir de entrar na parte portuguesa do mundo. A sua viagem deve assim ser explicada corretamente para se perceber como é que, tendo ele concebido e dirigido um projeto ao serviço de Espanha com o objetivo de ir às Molucas por uma nova via ocidental, acabou por realizar uma das maiores proezas da História da Humanidade: contornar pela primeira vez o globo terrestre.

É de realçar que sendo Fernão de Magalhães um especialista de geografia, náutica e marinharia ao partir para essa viagem já tinha uma conceção muito próxima da realidade do que era esfericidade da Terra, a qual foi descobrir e comprovar experimentalmente.

Fernão de Magalhães permitiu o conhecimento global do mundo tal como ele é ao levar a cabo um projeto pessoal e que soube captar o apoio de Espanha, ainda que para o levar a cabo só o pudesse ter feito graças às capacidades técnicas e cientificas alcançadas e acumuladas em Portugal, as quais não estavam então ao alcance de Espanha, que ambicionava uma forma de chegar às riquezas das especiarias orientais e controlar parte do seu comércio.

Fernão de Magalhães contribui de forma decisiva para assumir uma realidade que para nós é evidente mas há quinhentos anos era revolucionária: a de que a humanidade é una na sua diversidade, o que se prende ao conceito de multiculturalidade ou compreensão da pluralidade das civilizações, afastando fantasias e medos que até então perduravam e impediam as ligações mercantis e culturais efetivas e contínuas entre todas as partes da Terra.

A vida de Fernão de Magalhães é inspiradora de grandes feitos e da capacidade de realização de empreendimentos ousados e inovadores.

Foi a vontade de Fernão de Magalhães descobrir a parte desconhecida do planeta que está por trás da realização da sua fantástica e muito difícil viagem, a qual é fruto não apenas da sua ciência e experiência mas também da sua persistência, determinação e coragem extraordinárias que ficaram como exemplo a seguir.

O resultado da sua grande viagem iniciada há quinhentos anos foi o grande legado da sua força de vontade e muito saber, tendo ficado como sinal de um tempo em que se passou a conhecer o mundo na sua totalidade graças aos Descobrimentos. Tal facto marcou decisivamente o processo então em curso de mundialização, que consistiu em criar um sistema de interconexões globais que marcaram o arranque de uma generalização de contactos entre todos os pontos do nosso planeta, o qual está na origem do atual processo de globalização.

Fernão de Magalhães tornou-se um símbolo admirável dessa nova realidade planetária para que tanto contribuiu ao ter sido o primeiro homem a dar uma volta ao globo terrestre em duas etapas, as quais decorreram entre 1505 e 1513 por oriente e entre 1519 e 1521 por ocidente. Foi assim que ele alcançou, ainda que de forma indireta insistimos, a plena consciência das dimensões da esfericidade da Terra.

É de relevar uma noção tão fundamental como é a de que foi devido ao processo dos Descobrimentos que Fernão de Magalhães conseguiu alcançar a conhecimento da forma da Terra em toda a sua plenitude.

O nome de Fernão de Magalhães ao imortalizar-se por ter sido o mais célebre navegador da História tem de ser situado no âmbito de uma temática tão fundamental como é a dos Descobrimentos, os quais foram o grande contributo que Portugal deu para a História Universal. Com os notáveis progressos dos Descobrimentos, Portugal deixou então de ser um país periférico na Europa e foi projetado para um lugar ímpar na História, tendo-se, no século XVI, tendo-se então Lisboa transformado pela primeira vez num centro do comércio mundial e de contactos entre todas as civilizações da Terra.

Concluímos afirmando que os homens se distinguem pelas suas ações e foi o que aconteceu a Fernão de Magalhães ao ter-se assinalado como um português que mostrou uma fibra invulgar ao suscitar um projeto que marcou a História da Humanidade: o feito de ter permitido o conhecimento integral da forma da Terra.

 

Texto: José Manuel Garcia 

Fotografia: António Pereira

 

Nota:

Nascido em Santarém em Portugal em 1956, é um historiador português. Académico e autor cuja área de atuação está centrada na expansão marítima de Portugal nos séculos XV ao XVII e, em particular na circum-navegação de Fernão de Magalhães e Juan Sebastián Elcano.

Este texto foi originalmente escrito para uma Conferência de sobre Fernão de Magalhães realizada em Vila Real e publicado aqui e agora no Diário de Trás-os-Montes  enviado exprtessamente pelo autor a quem agradecemos.

Abaixo podemos ver a capa do seu último livro dedicado à viagem de Fernão de Magalhães​

 



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