Estudo científico sobre a segunda geração de Luso Canadianos
Para os que terão a oportunidade de ler o livro de Armando Oliveira e de José Carlos Teixeira verão que abarca realidades investigadas e cuidadosamente analisadas da nossa emigração.
Jovens Portugueses e Luso-Descendentes no Canadá: Trajectórias de inserção em espaços multiculturais é um registo histórico porque marca o primeiro estudo científico sobre a segunda geração da Emigração Portuguesa no Canadá. E não só. Maria Beatriz da Rocha Trindade escreve no Prefácio de Jovens Portugueses e Luso-Descendentes no Canadá que
“Não poderia ser mais oportuna a publicação da obra […] de Armando de Oliveira e Carlos Teixeira, no momento em que se completou meio século sobre o início da vaga de emigração portuguesa para aquele país […] cinquenta anos representam o recuo temporal quase ideal para o estudioso de fenómenos sociais: muitos dos pioneiros ainda estarão vivos e os seus testemunhos podem ser evocados, os seus descendentes terão em grande parte já atingido o estado de maturidade adulta e oferecem, por outro lado, um significativo escalonamento etário, com um espectro contínuo de idades a considerar.” (pag. XIII)
Logo a partir do prefácio do livro se torna evidente que o rumo que Armando Oliveira e Carlos Teixeira deram a esta pesquisa lhe confere uma dimensão que se projecta para além das fronteiras da emigração portuguesa. A obra integra e concilia conhecimentos que medeiam entre a Antropologia Cultural e a Geografia Humana, o que reflecte a heterogeneidade curricular dos seus autores. O livro é composto de 233 páginas, e divide-se numa introdução e seis capítulos – que por sua vez se subdividem segundo a exigência dos assuntos –; uma conclusão; e termina com uma extensa bibliografia.
Além de uma introdução sintética mas densa de informação, esta secção oferece uma perspectiva científica do ‘fenómeno da incorporação de imigrantes’. No primeiro capítulo os autores aprofundam exaustivamente, as ‘considerações metodológicas’ que alicerçam a investigação para este estudo. No segundo capítulo Armando Oliveira e Carlos Teixeira começam por ‘contextualizar’ a realidade do jovem luso-descendente, reunindo documentação indispensável sobre a realidade das comunidades portuguesas de Toronto e Montreal. Vejamos um exemplo de como sintetizam a informação obtida:
[…] em 1991, e segundo os Serviços de Estadística do Canadá, os imigrantes portugueses naquele país apresentavam níveis de instrução consideravelmente mais baixos que os dos outros grupos étnicos ali residentes, e do que a população canadiana em geral: 48% dos portugueses que ali residiam (nascidos em Portugal) tinham menos de 9 anos de escolaridade, enquanto que aquela percentagem era de 19% para o conjunto dos demais imigrantes, e 13% para a população canadiana em geral. Ao mesmo tempo, apenas 2% daqueles imigrantes portugueses tinham um curso universitário, enquanto aquela percentagem era de 14% para o conjunto dos restantes emigrantes, e de 11% para a população canadiana em geral... E a situação não é diferente […] se considerarmos em conjunto os imigrantes com os seus descendentes nascidos no Canadá. Assim, por exemplo, e relativamente às províncias canadianas do Ontário, Quebeque e Colômbia Britânica – nas quais residem cerca de 92% de luso-canadianos – verifica-se que 37% destes têm oito anos de escolaridade ou menos, o que representa cerca do triplo da percentagem da população total daquelas três províncias nas referidas condições. (Oliveira e Teixeira: 48)
O terceiro capítulo reporta-se ao relacionamento do jovem luso-descendente com a sociedade dominante; estamos perante um processo de auto-definição dos próprios jovens, o que o psicólogo Erik Erikson considera um exemplo de ‘crise identitária’, uma componente que, segundo o mesmo psicólogo, faz parte integral do desenvolvimento psicológico normal. A menos que, e até que, se alcance a própria identidade, sofre-se de confusão identitária (I. Blayer, 2002). Esta temática também é abordada no capítulo quatro. Como é possível a estes jovens descobrirem a sua identidade numa mescla de elementos interculturais tão complexos? Devem os jovens optar por uma cultura ou pela outra, ou de alguma maneira conciliar ambas as culturas? São estas algumas das questões que integram o quinto capítulo. Na intrepidez das afirmações com que aqui deparamos, através das respostas dos jovens, fica bem patente neste capítulo que só após identificarem a sua identidade os jovens lusitanos poderão seleccionar os melhores valores tradicionais, adoptar características canadianas que considerem mais positivas e aproveitarem, assim, o máximo do seu potencial e contribuírem para as mudanças comunitárias e societais (Irene Blayer, 2002). O sexto e último capítulo resumem as questões da ‘retenção cultural’. Por último, com um profundo sentido real da vida do emigrante português e, uma vez traçado o perfil do jovem luso-descendente, Armando Oliveira e Carlos Teixeira concluem o seu estudo, registando e enquadrando os resultados nas teorias que alicerçaram esta investigação. Mapas, figuras, e quadros estatísticos importantes complementam esta obra.
Afirma Rocha Trindade que todos os capítulos “merecem encómios, por uma variedade de razões essencialmente positivas […] A principal é, talvez, o facto que os lusos-descendentes se sentem possuidores, em maioria, de uma cultura que os Autores designam como ‘hifenada’, isto é, justapondo traços da cultura de origem dos pais e da de acolhimento, sem imersão absoluta em qualquer uma delas’ (pág. XV).
Jovens Portugueses e Luso-Descendentes no Canadá é uma homenagem à nova geração de emigrantes portugueses no Canadá. São estes jovens que podem participar de forma constante no progresso das comunidades. O futuro de cada nação pertence à sua juventude. Os jovens a que definem as potencialidades do amanhã. Mas antes que possam assumir essa tarefa e executá-la com êxito, cada um tem de discernir a sua identidade própria e única (I. Blayer 2002). Aqui está, possivelmente, a contribuição única deste livro: uma reflexão sobre os processos de aculturação e assimilação. Por conseguinte, este é um livro que se enquadra no âmbito dos interesses de qualquer comunidade cultural, não apenas a portuguesa. Segundo Rocha Trindade: “Ao virar as últimas páginas da obra ora editada fica o leitor com a convicção de que valeu a pena esta leitura, até pela raridade presente de obras publicadas sobre a emigração portuguesa, agora menos populares que as respeitantes à problemática da imigração, social e visualmente mais próxima aos nossos olhos. (pág. XV)”. Estão de parabéns Armando de Oliveira e Carlos Teixeira, por uma obra de grande segurança documental, e de grande valor para os especialistas e o público em geral. Em suma, estamos perante uma obra que encaminha o leitor a importantes linhas de reflexão.
*) Professora Doutora Irene Maria Ferreira Blayer
Modern Languages
Brock University, Ontario, Canadá