Língua da Galiza luta pela sobrevivência

A história que começou por ser comum e a geografia que foi una fizeram da Galiza um território lusófono. Ali, originalmente, a língua escrita e falada é o português. Ou o galego-português, pois contém ligeiras variantes de pronúncia, como acontece com o português do Brasil ou de Moçambique.

Mas, através dos tempos, Madrid sempre se empenhou em "abafar" a língua dos galegos. Chegou mesmo a proibi-la.

Mas há na Galiza quem resista. Movimentos de defesa da língua, associações, estudantes e professores lutam para que o galego-português não morra às mãos do castelhano.

Mas o Estado português ignora-os, nunca ousando contrariar os interesses de Madrid.

Quem assim o afirma – e o escreve como aqui se reproduz, na língua que fala – é Celso Alvarez Cáccamo, professor de Linguística na Universidade da Corunha, formado pelas universidades de Santiago de Compostela, Barcelona, SUNY at Buffalo, e Universidade da Califórnia, em Berkeley, estas nos EUA.

"O castelhano, na Galiza, é um idioma intruso", diz, por sua vez, Isaac Alonso Estraviz, professor Titular da Universidade de Vigo no campus de Ourense, na área de Didáctica da Língua e Literatura, possuidor de três licenciaturas e um doutoramento em Filologia Galega.

Por sua vez, Ângelo Cristóvão Angueira, empresário de Santiago de Compostela licenciado em Psicologia, secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal e autor de vários artigos e publicações sobre a cultura e a língua nacionais da Galiza, diz que "as diferenças de pronúncia ou lexicais não são base suficiente para estabelecer uma língua diferente. Portanto o português já se fala na Galiza, parcialmente castelhanizado, mas ainda é a língua maioritária da população".

Mas, apesar das evidências que se constatam nas aldeias galegas e nos passeios das cidades, apesar da história comum que, na Gallaecia, tiveram a Galiza e o norte de Portugal, apesar das explicações simples e incontestáveis dos académicos, a sociedade galega debate-se actualmente com a questão da Língua. E porque? Essencialmente por duas razões.

A primeira diz respeito à presença e hegemonia do Estado espanhol. "Sofremos 500 anos de colonialismo cultural e político, o que criou no subconsciente dos galegos um complexo de inferioridade a respeito do castelhano, fazendo-lhes sentir que falar galego é próprio de gente ignorante e pobre, e que falar castelhano é próprio de gente culta e rica. Mesmo hoje em dia as aulas na universidade são ministradas em 90 por cento em castelhano e na pré-primária é muito raro encontrar um infantário que o faça em galego. Na primária e secundária tampouco se cumpre o mínimo legal estabelecido a respeito de certas disciplinas", acevera Isaac Estraviz.

"É evidente que o galego, o português da Galiza, se está a perder por efeito de uma espanholização crescente, não apenas linguística, mas (de maneira fundamental) também cultural no seu sentido mais amplo. Galiza gera pouca cultura pública própria (cinema, televisão, música). A cultura circula maioritariamente de fora para dentro: da Espanha, os EUA e outros países para a Galiza. À globalização imposta pela cultura anglófona acrescenta-se na Galiza a nossa submissão à produção cultural espanhola e hispanófona em geral", acrescenta Celso Cáccamo.

Ângelo Cristóvão vai mais atrás: "Na modernidade (século XIX), antes da ditadura franquista e nomeadamente durante ela, estava proibido o aprendizado escolar e o uso público de qualquer língua que não fosse o castelhano. Com a democracia mudaram tudo mas procurando o mesmo resultado. Em vez de proibir o "galego", o que seria politicamente incorrecto, decretaram a castelhanizão obrigatória, manipulando os sentimentos de identificação com a fala popular. A ‘Xunta’ [Junta da Galiza, o poder executivo da Galiza autonómica] nega quaisquer subsídios para as publicações em português enquanto destina milhões de contos para promover o portunhol. É a mesma política anterior mudando as formas. O objectivo é o mesmo: aniquilar o português".

A segunda dificuldade que a língua galego-portuguesa enfrenta surgiu após a ditadura de Franco. Em 1983, já em democracia, o processo de autonomia da Galiza foi "resgatado pelos mesmos que já mandavam no país [a Galiza] durante a ditadura", explicam os diferentes grupos nacionalistas. E, nessa altura, "já com a mão de Fraga Iribarne", a Junta da Galiza conseguiu com que a Real Academia Galega aprovasse a normativa linguística do "Galego" que as entidades oficias e alguns meios de comunicação social falam e escrevem – o tal "portunhol" a que se referia Ângelo Cristóvão. "A normativa da ‘Xunta de Galicia’ está desenhada na base do espanhol, na ortografia e em muitos outros aspectos. Graficamente, não deixa de ser uma ‘variedade rara’ ou uma variedade baixa do espanhol. A pronúncia galega nos meios de comunicação também está fortemente castelhanizada", reforça Celso Cáccamo.

Isaac Estraviz também não concorda com a "monstruosidade" cometida pela Junta da Galiza, "porque é ir contra a natureza de uma língua românica". E pergunta: "Em que língua românica se escreve xustiza por justiça, xente por gente, xeografia por geografia?"

Os principais movimentos que, na Galiza, lutam pela "independência" da sua língua em relação à "dominação castelhana" são o Movimento de Defesa da Língua, MDL (www.mdl-gz.org), e a Associação Galega da Língua, Agal (www.agal-gz.org). Em 23 de Fevereiro constituiu-se em Santiago de Compostela a Assembleia da Língua, onde participam membros daquelas e de outras associações. No conjunto, formam o movimento "reintegracionista" da língua. Lutam pela "reintegração" da sua língua na portuguesa. A Associação de Amizade Galiza-Portugal (www.lusografia.org/amizadegp) apresenta-se não como "reintegracionista", mas sim como lusófona. Fez parte da Comissão Galega do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que negociou os Acordos Ortográficos de 1986, no Rio de Janeiro (de Ortografia Simplificada) e 1990, em Lisboa (de Ortografia Unificada).



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