De tudo o que as empresas portuguesas exportam, cerca de 70 por cento é consumido pelos portugueses das comunidades.

No sector do vinho esse valor pode subir até aos 85 por cento.

É o que se conclui de um inquérito promovido pelo nosso jornal que revela números supreendentes. No entanto, é uma realidade dificilmente reconhecida já que devido a factores de diversa ordem, as empresas não gostam de centrar a sua força exportadora no mercado étnico, o que leva a que as autoridades do sector dificilmente.

Qual é a real importância do chamado “mercado étnico” para as empresas portuguesas que trabalham o sector alimentar e de bebidas? Estimados em cinco milhões de pessoas, os portugueses residentes no estrangeiro levam para os países de acolhimento os hábitos alimentares que mantinham em Portugal, contribuindo para o volume de exportações das empresas nacionais ligadas ao sector. Mas as opiniões de produtores e exportadores não são uniformes…

Há quem acredite que aquele é um mercado estagnado em relação as gerações mais velhas e que as novas gerações estão “distanciadas”. Porém, a maioria das empresas assume que estes portugueses e luso-descendentes representam uma importante fatia no total das exportações dos seus produtos, agindo como uma porta de entrada nos mercados estrangeiros. Há ainda quem afirme que 70 a 80 por cento desses produtos exportados são direccionados às comunidades portuguesas.

Em comum têm todos a consciência de que para manter fiel esse mercado é preciso apostar mais na imagem e na divulgação dos produtos junto dos consumidores portugueses residentes no estrangeiro.

Aposta no marketing, contra a estagnação

Apesar de acreditar que este é “um mercado com tendência a regredir, porque as novas gerações estão mais afastadas”, José Mesquita, director comercial da empresa de águas Beira Vicente assume que estas “têm que ser trabalhadas em termos de publicidade e marketing, algo que muitas empresas esquecem de fazer”. Criada há apenas oito meses a Beira Vicente exporta para Angola, Guiné, Cabo Verde, Estados Unidos, França e Suiça, estando a ultimar negociações para exportar para Timor. Em 2002, a exportação deverá ser responsável por 20 por cento da facturação global, quase toda distribuída para o mercado étnico. Para tal a empresa continuará a apostar na imagem e marketing, até porque, afirma José Mesquita, “têm como objectivo crescer nas comunidades começando pelas primeiras gerações, mas mostrando e promovendo a qualidade da água para atingir os jovens luso-descendentes”.

É justamente a camada mais jovem que Mário Neves, administrador das Caves Aliança, considera ser o grande problema. Se em termos globais afirma ser aquele “um mercado estável”, as novas gerações estão já “inseridas na vida local e haverá um distanciamento cada vez maior”. Para inverter essa tendência, uma das estratégias das Caves Aliança passa pela distribuição dos vinhos da empresa junto da restauração portuguesa. “Os restaurantes promovem os vinhos nacionais e por isso são importantes no âmbito de uma estratégia voltada para o mercado local. E quem consegue entrar nesse mercado, poderá chegar às novas gerações, afirma Mário Neves. Actualmente, as exportações dos vinhos Aliança representam 50 por cento do total de facturação. Em alguns países, nomeadamente os EUA, Canadá, Luxemburgo e França, o mercado étnico tem um peso importante, o que leva a empresa a adoptar, junto desses consumidores, a mesma estratégia promocional utilizada para o mercado nacional.

Já José Calasans, director de exportação das Caves Velhas, confirma que “os melhores mercados são aqueles onde existem as maiores comunidades portuguesas”. Apesar disso, sublinha que “o mercado da saudade é um mercado estagnante, com tendência a diminuir, onde os jovens descendentes são mais enraizados aos países onde já nasceram”. Uma realidade que está fazer a empresa voltar-se também para os consumidores naturais desses países.

Actualmente as exportações dos vinhos da empresa representam 15 por cento da facturação global. Por sua vez, o mercado étnico é responsável 10 por cento do total das exportações. As Caves Velhas exportam para o Brasil, Canadá, Noruega, Japão e China entre outros, e estão presentes nos Palop, mas a estratégia de exportação passa agora pela implantação no países africanos francófonos e anglófonos. Mas José Calasans assegura que “faz parte da estratégia da companhia manter o mercado da comunidade portuguesa e chegar até aos mais jovens”.

A eterna porta de entrada...

Para a grande maioria dos responsáveis de empresas produtoras e exportadoras, o mercado dos portugueses residentes no estrangeiro ainda é a porta de entrada dos seus produtos no estrangeiro. É o caso da Finagra, empresa que comercializa os azeites e vinhos Herdade do Esporão. As exportações representam 20 por cento da facturação. Desse total, o mercado étnico é responsável 30 por cento. “O mercado da saudade é uma fatia importantíssima das exportações dos nossos produtos, porque é uma base para a introdução nos mercados estrangeiros. É uma porta de entrada”, reconhece Lança Cordeiro, director de exportação da empresa. Daí que no estrangeiro, os produtos sejam distribuídos “nos grandes aglomerados de comunidades” e que a empresa dê importância ao facto dos importadores fazerem parte da comunidade ou estarem muito próximos dela.

A importância do mercado étnico para a Quinta da Aveleda traduz-se nos 50 por cento do total de exportações que representam os consumidores portugueses residentes no estrangeiro.

Traduzindo-se em números, aquele mercado equivale a um volume de negócios na ordem dos 2,3 milhões de contos, revelou Paulo Amorim, presidente da empresa. Segundo o empresário, que preside também ao Grupo dos Sete, “as empresas do sector dos vinhos exportam para o mercado étnico cerca de 80 por cento” do total do volume de exportações.

Referindo-se à internacionalização dos produtos portugueses, Paulo Amorim também considera que as comunidades lusas acabam por ser uma porta de entrada privilegiada para os mercados estrangeiros. “Há, no entanto, uma série de empresas, entre as quais a Quinta da Aveleda, que implantaram as suas marcas para além do mercado étnico”. Contudo, para o empresário é motivo de orgulho que o mercado étnico seja também um grande destinatário dos seus produtos.

A título de exemplo, no mercado norte-americano, aquele empresário referiu que 50 por cento dos consumidores dos vinhos da Quinta da Aveleda são portugueses e 50 por cento são estrangeiros.

Há ainda empresas em que o mercado étnico absorve a quase totalidade das exportações. É o caso da empresa conserveira Ramirez, fundada há 149 anos. O mercado étnico é responsável por dez por cento do volume total de exportações (que representam 40 por cento da facturação global da empresa), mas em alguns países os produtos Ramirez são maioritariamente dirigidos às comunidades portuguesas aí inseridas. “É o caso de França e das Ilhas Jersey, onde quase cem por cento das exportações são direccionadas ao chamado mercado da saudade”, revela Manuel Ramirez, director comercial da empresa.. África do Sul, Canadá, EUA e Brasil são outros dos mercados para onde a Ramirez exporta e onde a o mercado das comunidades portuguesas é particularmente importante.

Para muitos exportadores, a palavra “estagnante” é substituída por “evolução”. Implantada no Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Luxemburgo, a Euromel tem nas exportações cerca de dez por cento do seu facturamento global. Por sua vez, o mercado étnico é responsável por metade do total das exportações.

Uma percentagem que Frederico Horgan, gerente da empresa, afirma ter “tendência a evoluir”, porque “as comunidades portuguesas residentes no estrangeiro são a porta de entrada dos produtos nos mercados desses países”. Opinião partilhada por Fernando Camelo, sócio gerente das Caves do Casalinho. As exportações dos vinhos da empresa representam 30 por cento do total de facturação, “com tendência crescente no futuro” e com o mercado étnico a abarcar 50 por cento do total das exportações.

Números que levam Fernando Camelo a afirmar que os consumidores das comunidades “vão ver alargado o seu prestígio e a sua influência local reforçando a sua posição de líderes na importação e distribuição dos nossos vinhos”. "Os mercados das comunidades portuguesas espalhados pelo Mundo mereceram sempre uma atenção especial, pois funcionam muitas vezes como verdadeiros embaixadores dos produtos portugueses no estrangeiro”, conclui.

Que papel para os luso-descendentes?

Se para alguns produtores/exportadores os consumidores luso-descendentes são uma incógnita em relação ao futuro do mercado étnico, para outros as gerações mais jovens têm um papel definido e importante.

Contrariando algumas visões mais pessimistas, Paulo Amorim, da Quinta da Aveleda, defende que as novas gerações de lusodescendentes vão permanecer fiéis a Portugal e aos produtos portugueses. “Acredito que a nova geração vai ser ainda mais sofisticada, vem a Portugal, dorme em hotéis e tem maior poder de compra”, frisa ainda. Na sua opinião, países como a França e os Estados Unidos contrariam a ideia de que morrendo esta geração, acabará este mercado. “Vejo jovens a ir para a Universidade e que estão a trabalhar nos negócios dos pais e que se interessam mais por Portugal do que os próprios pais, sobretudo de uma forma mais sofisticada”, sublinha Paulo Amorim.

Lança Cordeiro, da Finagra, assume que os luso-descendentes são uma parcela importante do mercado étnico. “São um capital, cresceram e receberam a sua educação nos países onde nasceram e podem divulgar os nossos produtos de forma mais abrangente. As entidades, nomeadamente o ICEP, deveriam «recrutá-los» para a sua estratégia de promoção e divulgação dos produtos portugueses no estrangeiro: são as pessoas que poderão melhor divulgar os produtos junto dos naturais desses países”.

Manuel Ramirez acredita que ao deixarem a casa dos pais, os jovens luso-descendentes mantêm o hábito que sempre tiveram de consumir produtos portugueses. “Hoje em dia Portugal já tem uma boa imagem dos seus produtos no estrangeiro, e o que tenho visto é que há um maior orgulho em ser português e uma maior vontade de redescobrir o país. Por isso, os nossos produtos são apetecíveis também pelas camadas mais jovens”, afirma. Também para Frederico Horgan, da Euromel, as novas gerações são uma aposta a fazer, “pela qualidade do produto e por acreditar que as pessoas quanto mais longe estão, mais saudades sentem de tudo o que é originário do seu país”.



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