Lítio em Vila Real permite fazer baterias para meio milhão de carros por ano. População de Boticas quer travar exploração
A exploração de lítio em Boticas, Vila Real, tem um investimento previsto de 500 milhões de euros e dará para fazer baterias para até 500 mil carros elétricos por ano, garante a empresa responsável.
A Savannah Resources garante que o projeto da mina de lítio em Boticas, em Vila Real, tem um investimento previsto de 500 milhões de euros e que o recurso potencial conhecido dará para produzir baterias para 250 a 500 mil carros/ano, ou seja, dava para equipar duas vezes todos os carros vendidos em Portugal durante um ano. Mas a população teme pelo bem-estar da aldeia onde estão a ser feitas as prospeções e quer travar a exploração.
David Archer, presidente executivo (CEO) da Savannah Resources, afirmou à agência Lusa que o projeto de uma mina a céu aberto previsto para a freguesia de Covas do Barroso, no distrito de Vila Real, tem um investimento previsto “superior a 500 milhões de euros”.
“O objetivo principal é o desenvolvimento de uma operação mineira que se enquadre nos objetivos de desenvolvimento regional e nacional dentro de uma ótica de sustentabilidade e de acordo com as melhores práticas ambientais, sociais e económicas e que, simultaneamente, permita colocar Portugal na cadeia de valor do desenvolvimento da indústria das baterias para os veículos elétricos”, salientou.
Segundo o responsável, o projeto prevê a criação, de forma direta, de cerca de 300 postos de trabalho a longo prazo, repartidos pelas áreas técnicas, administrativas e de suporte. Acrescentou que, durante a fase de construção, se estima que possa “ser criado um número idêntico de empregos a curto prazo” e ainda mais “500 a 600” postos de trabalho indiretos.
O projeto tem por objetivo a ampliação da concessão já existente desde 2006 para a “produção de concentrado de espodumena com vista ao aproveitamento de minerais de lítio para alimentar a indústria das baterias elétricas”. David Archer explicou que a exploração será “feita de forma faseada” e inclui ainda uma instalação industrial. Prevê-se, acrescentou, dentro da área de concessão uma exploração inicial em cerca de 25 hectares, área que será, numa segunda fase, recuperada, começando-se a trabalhar noutras áreas de exploração.
O responsável adiantou ainda que o “recuso potencial já conhecido nesta concessão dará para fazer baterias para entre 250 a 500 mil carros por ano”. “Obtidas todas as autorizações do Governo, o início da exploração comercial, já com a unidade industrial em funcionamento, está previsto para 2020”, frisou. David Archer explicou que está neste momento em curso o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), “onde todas as questões ambientais estão a ser analisadas, identificando potenciais riscos e medidas de mitigação”. O projeto, explicou, depende da aprovação do EIA e só poderá avançar se todas as entidades competentes considerarem que são observadas todas as condições necessárias.
A empresa requereu a classificação do projeto como de Potencial Interesse Nacional (PIN) e já na segunda-feira vai decorrer uma reunião na Comissão Permanente de Apoio ao Investidor (CPAI), na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), para discutir e apreciar este pedido. Um pedido que teve por base, segundo o responsável, a “relevância do projeto da mina do Barroso, bem como o potencial impacto económico benéfico que o mesmo pode ter para a região e para o país”.
“Ao contrário do que tem sido veiculado, em momento algum a classificação como PIN se traduz na supressão ou dispensa de realização de etapas como, por exemplo, o EIA.Teremos de realizar os mesmos estudos, com toda a profundidade, mas apenas receberemos uma resposta mais rápida, o que nos parece ser do interesse de todas as partes”, salientou.
Quanto às queixas da população relativamente à “agressividade das prospeções”, David Archer afirmou que a “comunidade local é uma prioridade para a Savannah” e que a empresa “realizou todas as ações necessárias com vista a obter autorização de todos os donos das áreas ou dos caminhos a que teve de aceder para fazer plataformas para fazer sondagens de prospeção”. Por fim, referiu que se está a “trabalhar no sentido de criar todos os canais necessários para otimização da comunicação com a comunidade”.
“Não à mina, sim à vida.” População quer travar exploração
A população de Covas do Barroso, em Boticas, receia que a mina de lítio a céu aberto vá esventrar os montes e prejudicar a atividade agrícola e apícola e, por isso, uniu-se para travar o projeto.
No meio da aldeia de Covas do Barroso, na fachada de uma casa, ergue-se uma tarja onde se lê “Não à mina, sim à vida”. A tarja é o primeiro sinal visível do descontentamento da população que, aos poucos, foi vendo a vida sossegada desta localidade ser alterada com a chegada dos veículos e máquinas que passam para o vale onde estão a ser feitas prospeções.
“Ficámos indignamos com o que estávamos a ver, com a agressividade destas prospeções, e achámos que devíamos fazer alguma coisa pela terra onde escolhemos viver”, afirmou Nélson Gomes, de 42 anos, presidente da recém-criada Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB).
Nélson e a mulher Aida Fernandes, 40 anos, possuem uma exploração de vacas e dão a voz pelo descontentamento e receio que uniu a população desta freguesia que junta as aldeias de Covas do Barroso, Romaínho e Muro. “O nosso objetivo é parar mesmo com a mina, para que a mina não vá para a frente, porque seria a destruição total da nossa aldeia, de todo este património que temos, de tudo”, afirmou o agricultor.
Os números são, segundo referiu, “assustadores”. “Não tem cabimento uma exploração desta natureza na nossa aldeia, fazer aqui uma mina a céu aberta com uma dimensão de 500 metros por 600 e 150 metros de profundidade, seria a destruição total”, salientou. No meio do monte, junto a um local onde foi feita uma perfuração, juntaram-se vários populares. Querem todos dar a cara e a voz pela “vida na terra” que foi, em 2017, classificada como Património Agrícola Mundial.
A agricultura é o sustento da maioria destas pessoas que teimam em lutar contra o despovoamento. Nélson acredita que a poluição que resultará da destruição da pedra em pó, aquando da exploração de lítio, terá consequências na água e na terra e, consequentemente, no ganha-pão destas famílias.
Carlos Gonçalves, 54 anos, possui 400 colmeias e produziu, no ano passado, cinco mil quilos de mel. “A mina vai poluir o monte todo e como as abelhas vêm buscar o pólen e o néctar às flores, ao estarem as plantas poluídas vai afetar a qualidade do mel”, salientou este apicultor. Se a mina se concretizar teme ter de deslocar os apiários. “Estávamos aqui sossegados e depois vêm cá acenar com os milhões, mas não há milhões que paguem o sossego, paz e saúde. Não aceitamos contrapartidas nenhumas, o que queremos é eles fora daqui”, afirmou.
A dimensão do projeto é, segundo Aida Fernandes, preocupante, já que “se fala em quantidades de 20 milhões de pedra que tencionam transformar em pó”. “E estando nós muito próximo da mina, da área que pretendem explorar, vamos sofrer com essas consequências. O nosso dia a dia vai alterar-se e vamos ter muito pó e barulho”, frisou. Esta agricultora disse que, desde o início, “não houve informação nenhuma à população”, que acreditou que “iam apenas fazer uns buraquitos para fazer as prospeções, que se transformaram em buracões”.
“Chegamos a um ponto em que ponderamos tudo, porque fizemos escolhas, opções de vida.Foi uma decisão difícil ficar aqui e agora querem alterar tudo, destruir tudo. Alterar o dia a dia até é o menos, é mesmo a destruição que vai ser irrecuperável”, salientou.
Maria Prazeres Fernandes, 70 anos e natural de Romaínho, disse estar preocupada com a poluição, mas, principalmente, com a destruição do meio de sobrevivência das pessoas da aldeia: a agricultura e os pastos para as vacas e ovelhas. “Foi a primeira vez que ouvi falar do lítio, andei a investigar e fiquei revoltada e mais revoltada com quem assinou. Cada vez assinam mais para mais buracos e mais experiências e mais coisas, e acho que isso não é aceitável”, sublinhou.
Para Horácio Gomes Afonso, 73 anos, a riqueza maior desta terra é “a tranquilidade”. “Nunca precisámos que viessem aqui oferecer-nos nada, porque oferecerem-nos prendas envenenadas não interessa a ninguém”, afirmou.