João Batista Calado tem hoje 69 anos. Em 1975 regressou de Angola sem nada. Hoje, além de possuir mais de 120 hectares de terras, é o pro-prietário do Cachão, uma pequena aldeia abandonada do concelho de Valpaços.

Mesmo assim, não se considera um "proprietário abastado", mas antes um "trabalhador abastado".

O "segredo" do seu êxito: "Quando tinha 100 contos juntos, nem dormia enquanto não os aplicasse". A "filosofia" que a vida lhe ensinou: "Faz mais um homem com vontade de fazer e sem dinheiro, que um que tenha dinheiro mas não tenha vontade de fazer".
A paixão de João Calado era Angola. Por isso, ficou enquanto pôde. Por isso, ficou sem nada.

Chegou a Valverde, junto a Valpaços, com a mulher e três crianças. O seu pai fez partilhas das propriedades, mas como os herdeiros eram sete, pouco tocou a cada um. Um seu vizinho, ao inteirar-se das sortes que lhe couberam, até ironizou: "Ficaste com prédios para morrer à fome".

É certo que teve de recorrer ao subsídio de 4.000$00 mensais com que, na altura, o Estado apoiava os "retornados". Mas lá começou a amanhar as leiras herdadas, procurando introduzir algumas técnicas "diferentes", adaptadas da forma como em Angola tratava dos seus cafezais.

No Verão de 1978 iniciou o "império" que hoje tem. Uma terra era-lhe oferecida por 300 contos. Não tinha aquela quantia, mas como o proprietário facilitou o pagamento, deu entrada com os 80 contos que conseguiu juntar da venda da fruta que produziu naquele ano. O resto pagou nos dois anos seguintes.

O ânimo perdido com a vinda de Angola "com as mãos a abanar" começara a ser recuperado. E meteu-se a comprar mais propriedades, ainda que "sempre sem dinheiro".

Na terra que lhe custara 300 contos, e noutras que, na altura, também adquiriu, plantou 16.000 videiras e cerca de 6.000 árvores de fruta.

Hoje, João Calado, com a ajuda dos seus filhos, tem anos de produzir 15 toneladas de pêssego, 30 de ameixa, seis de figo, 30 de uvas para vinho e 16 de cereja. "É a minha resposta ao vizinho que me disse que iria morrer à fome", diz, com orgulho, o agricultor de Valverde.

João Calado é um proprietário abastado. "Não. Sou apenas um trabalhador abastado", rectifica. E dá "pormenores". Levanta-se às quatro e às cinco da manhã e, ele próprio, vai vender a sua fruta para o mercado de Chaves e para outras localidades da região.

É claro que seria mais cómodo vender por grosso a um intermediário. "Pois era. Mas, dessa forma, lá se ia o lucro...".

Mas, a par das terras agrícolas, dos milhares de árvores de fruta, dos 5.000 sobreiros – e até dos 23 poços e cinco furos de água que já abriu –, João Calado comprou também a aldeia do Cachão. Não pode, por isso, "esconder" a sua riqueza. Volta a rectificar. "Rico... Eu?... Só se for por nunca me ter faltado a vontade de trabalhar".

"Em Angola tive uma ideia...."

Quando, em Angola, se deu conta que tinha de regressar a Portugal e aqui recomeçar a sua vida, João Calado começou a acalentar uma ideia. Comprar a aldeia do Cachão, a "dois passos" de Valverde, onde chegaram a viver perto de 80 pessoas e que, na altura, já estava praticamente abandonada. "É lá que vou fazer uma criação de porcos".

Mas, chegado cá, desanimaram-no. "Porcos? Não vais ganhar para a ração". Desistiu da pocilga. Mas ficou de olho no Cachão. "Era um sítio lindo, com bons terrenos. O [rio] Rabaçal logo ali... Ideias para o local não me faltavam". Não tinha na altura, evidentemente, nem uma pequena parte do dinheiro que o lugar valia. Mas, mesmo assim, abordou os herdeiros da maior quinta da aldeia, que, com o passar dos anos, já estava sem moradores. Obteve resposta negativa. Mas, como que a anunciar-lhe o destino, foi-lhe proposto ficar a tomar conta das terras. "O que produzisse era para mim. Só a cortiça era a meias".

Os anos foram passando. De tempos a tempos ia renovando a proposta da compra. Mas sem êxito. "A dada altura perdi mesmo a ideia ‘maluca’ de ficar com o Cachão", lembra João Calado. E com motivos. Tinha aproveitado a vinda ao local de um herdeiro que vivia no Brasil para, a todos juntos, falar, de novo, no negócio. "Nunca", respondeu-lhe o "brasileiro", argumentando que queria preservar a memória dos antepassados e manter sua a casa onde nascera. "Acabou-se naquele dia a ilusão do Cachão. Nunca mais lhes toquei no assunto", conta João Calado.

Até que, de repente, em Maio do ano passado, ao fim de 18 anos, chegaram-se ao "caseiro" e disseram-lhe que lhe venderiam a quinta – "Paga como quiser".

Hoje a aldeia do Cachão é do senhor João Calado. À excepção de umas pequenas courelas que ainda "resistem" no meio dos 50 hectares do seu termo. Ao todo já adquiriu 40 prédios rústicos e dez casas.

"Não gosto de pedinchar"

"Se isto tivesse sido meu quando tinha 40 anos... era agora um grande pomar!..."

Apesar de proprietário de uma pequena aldeia, inteira, situada a três quilómetros de uma estrada nacional, com capela, lagares de azeite e de vinho, com casas de pedra, um rio de águas límpidas a correr ao fundo e rouxinóis a cantar nos negrilhos, João Calado, por "deformação profissional" mede o sítio em pés de pessegueiros ou de videiras. Só quando é confrontado com a "intromissão" da agricultura europeia e a consequente fragilidade da nacional é que enumera as restantes poten-cialidades do Cachão. "Áh!... Aqui o que dava era o turismo. Mas um turismo especial, só para quem apreciasse o sossego. Nada de multidões...".

Mas, para isso, era preciso muito dinheiro. "Eu sei que até há pr’aí subsídios para projectos de turismo. Mas isso não é para mim. Não me estou a ver a andar atrás dos engenheiros a pedinchar". E arranjar um sócio capitalista? "Seria uma possibilidade. Mas não poderia ser tipo ave de rapina, daqueles que querem lucros fáceis e depressa".

Em longínqua e esbatida alternativa outro empreendimento povoa o imaginário de João Calado. "O que também aqui dava era uma adega regional. As pessoas já agora vêm para aqui pescar... poderiam trazer as famílias... os amigos". Mas João Calado é consciente da falta de consistência desta última ideia. Talvez por isso lhe acrescente. "Poderia criar uma marca própria de vinho, que daria nome ao local. Sim, porque se o vinho de Valpaços já é afamado, haviam de provar do que produzo eu. Nem tem comparança!".

Mas, independentemente das voltas que o futuro venha a dar, o Cachão, tal como agora é, já contribuiu para a felicidade de João Calado. "Não conto morrer nos próximos tempos. Mas, aconteça o que acontecer, o Cachão fez de mim um homem realizado. Pensei refazer a minha vida aqui... e aqui estou".



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