Falta de investimento levou à desactivação das minas de Moncorvo, um dos maiores jazigos da Europa
O jazigo de ferro de Moncorvo, considerado um dos maiores depósitos de minério da Europa, foi abandonado na década de 80, devido à falta de rentabilidade económica desta matéria-prima no mercado internacional.
Passados cerca de 20 anos, a Serra do Reboredo e o Cabeço da Mua, no concelho de Torre de Moncorvo, guardam, apenas, os vestígios da exploração mineira que atingiu o auge nos anos 50.
Quem trabalhou nas minas de Moncorvo recorda a dureza do trabalho para extrair o ferro da rocha, bem como o esforço feito para passar o minério dos vagões do comboio da via estreita para a via larga.
Manuel Silva, natural da aldeia do Carvalhal, conta que começou a trabalhar no jazigo de Moncorvo desde tenra idade, mas não esqueceu o esforço físico que teve que fazer para partir as pedras com uma martelo de 10 quilos e os dias que chegava a molhar os vagões com o suor do próprio corpo.
“Iniciei o meu trabalho nas minas em 1951. Naquela altura comecei a partir pedra, era um trabalho muito duro. Ao fim das oito horas sentia o corpo todo dorido. Com os anos consegui chegar a guarda do paiol. Aí o trabalho já não exigia tanto esforço”, salienta este antigo mineiro.
Trabalho para todas
as idades
O bairro mineiro da Ferrominas, a empresa que ficou responsável pela exploração das minas a partir de 1950, altura em que as concessionárias internacionais, nomeadamente da Alemanha, cederam a exploração, chegou a albergar famílias inteiras que laboravam no couto mineiro.
Segundo alguns testemunhos de antigos mineiros, a exploração do ferro chegou a contar com o esforço físico de mulheres e crianças, que acompanhavam os maridos e os pais no trabalho.
“As mulheres trabalhavam nas correias, a escolher o minério, enquanto as crianças ajudavam no transporte de água e naquilo que era preciso na secção do desmonte”, recorda Manuel Silva.
Nos anos 50, eram muitos os que abandonavam a agricultura e partiam rumo aos jazigos de minério, visto que, apesar do trabalho ser mais esforçado, o salário era mais alto.
Nessa altura, as minas de Moncorvo, receberam trabalhadores de diversos pontos do País e até do estrangeiro, de onde vinha grande parte da mão-de-obra qualificada que trabalhava na exploração.
O responsável do Museu do Ferro de Moncorvo, Nelson Campos, lembra que muitos dos engenheiros que davam apoio às minas, oriundos de países europeus, acabaram por radicar em Moncorvo, devido aos laços criados aquando da extracção do minério.
Teodorico Carriço, natural de Lisboa, é um dos exemplos de quem deixou a sua terra Natal para vir laborar para as minas de Moncorvo.
Moncorvo acolhe mineiros
“Os motores das máquinas, quando havia alguma avaria, eram desmontados cá. Só depois é que iam para Lisboa para serem reparados. Foi para efectuar esse trabalho que eu me desloquei para Moncorvo, onde acabei por construir casa e optei por refazer cá a minha vida”, salienta este ex-chefe de máquinas.
Florentino Gil é, igualmente, um dos testemunhos de quem trocou as brincadeiras de criança para aprender a profissão de serralheiro no jazigo de Moncorvo.
“Comecei a trabalhar nas minas com 11 anos de idade e, nessa altura, era aprendiz de serralheiro na oficina situada junto às minas. Naquele tempo havia muita gente a trabalhar naquela exploração, porque a produção era manual e os utensílios eram todos reparados nas oficinas”, recorda este ex-trabalhador mineiro.
Grande parte do minério extraído no couto de Moncorvo tinha como destino outros países europeus, onde algum era condensado para a extracção do ferro, uma matéria-prima muito rentável aquando da Revolução Industrial e das Guerras Mundiais que devastaram a Europa.
O canal de escoamento deste produto fazia-se por via-férrea, mas nos anos 50 eram muitos os entraves que se colocavam ao transporte deste produto bruto.
O mineral saía do jazigo em vagões que se deslocavam pela linha do Sabor, entre o Carvalhal e o Pocinho, onde eram despejados, manualmente, para as carruagens que seguiam pela linha do Douro, já em bitola larga, até ao litoral do País.
Segundo os ex-mineiros, este era o trabalho mais árduo, principalmente na época do Verão. “Na altura do calor alguns até se punham nus, porque não conseguiam aguentar as altas temperaturas”, realça Manuel Silva.
Projectos abandonados
Depois de oito horas de trabalho, os mineiros eram recompensados com 20 escudos, uma quantia, que, na altura, consideravam razoável.
“Quando o Champalimaud comprou as minas, os salários aumentaram para cerca de 4 contos. Aí as condições melhoraram bastante, mas passado pouco tempo acabou tudo”, sublinha aquele ex-mineiro.
Apesar da exploração do ferro na serra do Reboredo ser a céu aberto, ainda houve muitos trabalhadores a perder a vida em acidentes de trabalho e vítimas de silicose, a doença característica dos mineiros.
“Não assisti a nenhum acidente de trabalho, mas anos mais tarde acabaram por falecer alguns mineiros vítimas da silicose. Apesar da exploração ser a céu aberto sempre apanhavam pó do minério”, afirma Carolino Carvalho, ex- escriturário das minas.
Quando a rentabilidade do minério começou a baixar no mercado internacional (década de 80), foram elaborados diversos projectos para “salvar” aquele jazigo, mas nenhum saiu do papel.
Os estudos levados a cabo no local indicavam que ainda havia muito minério para explorar, tanto na serra do Reboredo como no Cabeço da Mua, só que a baixa cotação do ferro no mercado mundial deitou tudo a perder.
Mineiros acreditam na
reactivação
“Tenho pena que a exploração mineira tenha acabado naquele local. Chegaram a ser feitos projectos para esta zona, onde constava a construção de um aeroporto e universidade, mas depois não houve dinheiro e caiu tudo por terra”, lamenta Teodorico Carriço.
O responsável do Museu do Ferro confirma a existência de projectos ambiciosos para a zona das minas, afirmando, mesmo, que houve muita gente a adquirir terrenos na zona do Carvalhal para gerarem dinheiro. No entanto, o investimento naquela zona nunca se verificou e grande parte das pessoas que tiravam os seus rendimentos das minas foram obrigados a emigrar.
Passadas mais de duas décadas do encerramento daquele jazigo, alguns ex-mineiros ainda acreditam na reactivação das minas de Moncorvo, visto que não compreendem porque é que Portugal importa este material, quando tem uma das maiores minas de ferro da Europa.